quarta-feira, 25 de abril de 2012

FACA NA CAVEIRA - ILHA BELA 80K

O Relato de um dentista que virou corredor.
Estávamos lá!!! Simpósio técnico, os 80 corajosos atletas, doidos por qualquer informação sobre a prova.
     O dia começa e a tensão vai aumentando, quando 13:15 da tarde largamos a humildes 6min/km eu e meu amigo e parceiro Fabrizio. Roger e Ashbel dispararam na frente mas os mantínhamos no visual. Coração começou a ficar acelerado e diminuímos o ritmo para 6:30. No km 5 de prova, sofria do estômago com muitas dores mas mesmo assim alcançamos o Roger que já estava em sua marcha habitual que garantiria percorrer seus 80k, seu parceiro careca Ashbel, sumira nas ladeiras a frente. Muito calor e finalmente ponto de hidratação no km 10 - Gatorade gelado – OBA-  estávamos sobre a escolta do experiente André Guarischi, agora éramos 3 amigos mantendo o ritmo embora eu e Guarischi sofrendo e diminuindo a velocidade em busca de alguma recuperação. Foi tomada a decisão, Fabrizio deveria seguir sozinho na frente, eu estava muito lento e precisava parar de correr um pouco, não conseguia forçar nas subidas e não estava me alimentando. A essa altura nosso terceiro elemento, caminhava lentamente e acabou dessa vez parando sozinho. Preocupado, resolvi parar no alto da trilha por longos 5 mim, me hidratei e aos pouco fui melhorando e aí desci a trilha como uma lesma. HAHAHA
     Já com 2 horas e meia de prova estava renovado, sentia-me melhor, era asfalto debaixo dos meus pés, o ritmo aumenta. Nesta hora, sou acompanhado em pensamento por pessoas queridas, na Alynne que certamente estava ansiosa por qualquer noticia, na galera dos treinos, no WT. Eu estava correndo cada vez mais rápido.
     Pensei do alto de mais uma ladeira conquistada – Agora sim sou um corredor, estava treinado. E falei em voz alta para que eu mesmo pudesse ouvir: MAS QUE VELHO FILHO DA PUTA, ELE É FODA!!! Estava surpreso por esta ali encarando os 80k passando todos os corredores que me passaram quando estive parado há 1 hora atrás e pensando em desistir. Sigo pensando e me lembrei do Senna que disse: “Se você está na metade, você ainda não fez nada.” Quer moleza não sai de casa!!! HAHAHA
     Veio a noite, trazendo com ela a dificuldade de correr na trilha bastante técnica, hora de fortalecer o espirito e agradecer a todos que participaram para que eu chegasse até ali. Mantinha um ritmo lento, estava completamente sozinho, imaginava estar no caminho errado, chuva leve e neblina temperavam o ambiente sombrio. Condições PÉSSIMAS de corrida!!! Consultas e mais consultas no garmin, cálculos frenéticos para chegar no tempo limite (no km 45), com o meu ritmo, não daria tempo.
     Já estava no automático e triste por estar tão lento, tentava acelerar e era tombo atrás de tombo pois não tinha lanterna. Foi quando fui alcançado pelo amigo Bruno Reis e sua lanterna fodástica, falamos palavras de incentivo como: seu viado escroto e arrombado. Fizemos contas e falamos que estávamos no limite do cu da mãe, rimos muito e aceleramos rumo a escuridão. Éramos corredores novamente, pulávamos pedras e riachos, estávamos no ritmo necessário para chegar a tempo no km 45. – Agora Brunão, é só descida!!! Voamos ladeira a baixo, praia, areia, luzes e lá estava o alvo, a tenda do special needs. Que máximo encontrar o Ashbel, fiz meu cumprimento habitual, um berro AAAASSSSHHHBBBEEELLLL!!!!! Fiquei muito emocionado ao encontra-lo e nos abraçamos, ele estava bem! Mas para minha completa surpresa, ouço meu parceiro desgarrado chamar meu nome – FILIPE??? Ele repete!!! E eu mudo, sem responder porque estava sem palavras.  Fabrizio estava ali também, meu parceiro de treino, meu brother. E sem usar meu special needs, e ele sem acreditar que eu estava ali, seguimos juntos para o próximo desafio 15k de trilhas até o próximo corte 60k. Tínhamos 4 horas para cumprir a missão.
     Fabrizio demostrava sinais claros de câimbras e muito desconforto nos pés. Parada para cuidar dos pés de Fabrizio. Passa Ashbel que seguiu subindo motivados por nós. Tudo pronto, seguimos viagem e alcançamos  Ashbel que já estava sofrendo com os 50k da dura corrida, estávamos correndo a mais de 7 horas. Nossos corpos já não nos pertenciam mais. Agora, era a tempestade que veio para castigar, a trilha virou um rio, tombos e mais tombos, escuridão total, preocupação com os amigos.
      Com a tempestade assolando, pensamos não haver mais condições de prova, ela seria cancelada. Velocidade mínima, os kms não passavam. Minha dupla escorregava muito com seu novo e poderoso tênis North Face, até que a trilha desabou com ele, eu em pânico ouço ele do fundo do barranco berrando para meu conforto – Estou bem cara! Pensei pqp, está muito perigoso!!! Passo a passo confirmávamos a navegação. Estávamos próximos dos 60km, atingimos a praia de Castelhano - Vai dar cara, estamos no limite mas vamos terminar a prova!! Energia lá no alto novamente. A organização confirmou - Podemos seguir para os últimos 20k.
      Maçã, gel, água, tudo pronto, podemos seguir. Meia noite e o tênis do Fabrizio insistia em acabar com ele, para piorar ele estava passando mal, não conseguia se alimentar. Pensei intimamente – Caramba, ele esta sofrendo muito.  Agora, não eram os 20k que me preocupavam e sim meu parceiro. Ele estava lutando para continuar e  ponderei se não seria melhor desistir... Ele se limitou a seguir em frente. Lance estava nos nossos pensamentos, “a dor é passageira, mas desistir é para sempre”. Parada técnica para vaselina, dois babacas em frangalhos, mortos-vivos passando vaselina no escuro, credo!!! QUE FAAASE!!! 10k de subida em 2 horas, éramos os últimos da prova e do ponto mais alto, uma rápida conversa com os staffs de prova e ladeira abaixo até a cidade. O frio da madrugada estava nos desgastando ainda mais. Saímos do confortável ritmo de 12 min por km e passamos a correr de verdade, 7 mim por km (hahahahaha) era a nossa velocidade máxima, Sprint final. No frio e no silêncio da madruga, estávamos sendo seguidos pela moto da organização, já passava das 3 da manhã. Corremos por quilômetros completamente mudos, estávamos exclusivamente correndo lado a lado, sabíamos o que estávamos fazendo, nada mais importava. Avistamos a luz da cidade deserta e silenciosa, adentramos em suas ruas de pedra, direita, esquerda, direita de novo, um cara de carro nos incentiva – Guerreiros, guerreiros!!! Só olhávamos para frente e a emoção nos assolava, estávamos na praia, o relógio já marcava 80km, seguimos rumo a linha de chegada. Ciclovia, ponte e nossos olhos cheios de emoção avistaram poucos torcedores, o pórtico de chegada à 200 metros, 14horas e 30 min de prova e muito garra para chegar até ali, focalizamos o pórtico!! Agora, eram 100 metros para glória, sobreviventes malucos... CHEGAMOS!!!!!  Nos parabenizamos muito emocionados...
82k de pura adrenalina. Afinal parceiro, MISSÃO DADA, É MISSÃO CUMPRIDA!!! É SELVAAAA!!!!!!!!!!!!!!
Muito obrigado Walter Tuche essa ficou pra hitoria.

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