autor Bruno Fischer
Introdução
Segundo estatísticas, anualmente, 3,1% de todos os adultos ou 5,6% daqueles engajados em algum tipo de atividade física recreativa recebem tratamento médico para lesões decorrentes da prática esportiva(1) . As lesões esportivas são consideradas a segunda maior causa de lesões, ficando atrás apenas dos acidentes domésticos, que acometem 3,7% dos indivíduos(2). As lesões mais comuns, cerca de 60%, são os estiramentos, luxações e roturas ligamentares que ocorrem em tornozelos, joelhos, ombros, cotovelos e mãos(3). Lesões e dores na coluna também são muito comuns durante a prática esportiva. As lesões são o principal fator de afastamento de atletas em treinos e competições, causando queda no desempenho físico, técnico e psicológico, e podem levar ao abandono precoce da carreira. Sendo assim, é de suma importância a utilização de estratégias que visem prevenir lesões esportivas, ou acelerar a recuperação das mesmas. Estudos tem apontado o treinamento proprioceptivo como uma ferramenta importante na reabilitação de lesões ortopédicas, e possivelmente na prevenção (4,5)
Propriocepção é o termo utilizado para descrever a percepção do próprio corpo e inclui a consciência da postura, sensação do movimento e posicionamento articular(6). Essa percepção nos permite manter o equilíbrio postural. As articulações necessitam de informações precisas e rápidas sobre o correto posicionamento articular, o grau de amplitude e alinhamento corporal. Os movimentos ou mudanças na posição de uma articulação estimulam uma variedade de receptores que permitem a apreciação consciente da posição dos membros no espaço. O objetivo dessa complexa rede de informações é manter a estabilidade articular, determinando forças e grupos musculares específicos para prover a atuação dos indivíduos nas atividades diárias e esportivas (7).
Fisiologia da propriocepção
A informação proprioceptiva se origina de alguns órgãos terminais sensoriais (denominados proprioceptores) localizados dentro dos músculos, tendões e complexos articulares, incluindo ligamentos, fáscias e a pele(8). O termo somatosensorial é o que melhor descreve a combinação de estímulos provenientes do próprio corpo (musculotendíneos, articulares e cutâneos) e da sua resposta ao ambiente. Os estímulos somatosensoriais são combinados com informações visuais e vestibulares para manter o equilíbrio, representando 70% do controle postural na posição em pé(9). Os receptores sensoriais localizados nos músculos, tendões e articulações são denominados de mecanoreceptores e são acionados em resposta aos estímulos mecânicos oriundos da posição estática (orientação corporal) ou do movimento (força, velocidade, amplitude e direção). Uma das principais funções dos mecanoreceptores é transmitir a deformação mecânica por meio de sinais elétricos que acionam o potencial de um nervo. Os mecanoreceptores que atuam no controle proprioceptivo do movimento são: órgãos tendinosos de Golgi, fusos musculares, fibras intrafusais, corpúsculos de Ruffini, corpúsculos de Pacini e as terminações nervosas livres.
Os impulsos nervosos originados nesses receptores podem ser conscientes ou inconscientes. Os inconscientes não despertam sensação, sendo utilizados pelo Sistema Nervoso Central (SNC) para regular a atividade muscular através do reflexo miotático ou dos vários centros envolvidos na atividade motora, em especial o cerebelo. Os impulsos proprioceptivos conscientes atingem o córtex cerebral e permitem a um indivíduo ter percepção corporal (noção espacial, atividade muscular e movimento articular), sendo responsáveis pelo sentido de posição e de cinestesia (10).
As articulações e músculos adjacentes têm uma inervação aferente direta, ou seja, qualquer informação sobre um movimento das estruturas articulares é sinalizada pelos receptores sensoriais (mecanoreceptores) e enviadas para o sistema nervoso central. A informação aferente da articulação é a seguir projetada para os centros de processamentos centrais no cérebro, por reflexos não perceptíveis, e após serem processadas, essas informações retornam para regular o posicionamento articular, o grau de amplitude e alinhamento corporal, bem como a atividade muscular (através do reflexo miotático).
Em resumo os receptores sensoriais, ou mais especificamente os proprioceptores, são essenciais para informar ao nosso cérebro a noção de posição dos membros, e por sua vez, esta informação de posicionamento corporal é essencial para o controle adequado do movimento. A capacidade e velocidade em que podemos executar correções nos padrões de movimentos são treináveis, e os exercícios proprioceptivos parecem contribuir significativamente para atingir a excelência no controle neuromotor. Teoricamente, estimular os mecanoreceptores articulares aumenta a atividade motora gama, o que resulta em um aumento da sensibilidade dos fusos musculares nas adjacências das articulações, e que por fim levam a um maior estado de “alerta” dos músculos para responder a perturbações nos movimentos (11). Nesse sentido, os mecanoreceptores agem como gatilho de alerta, emitindo impulsos para o sistema nevoso central, que aciona mecanismos reflexos que, por sua vez, protegem a articulação, previnem os movimentos inadequados, sensibilizam a orientação espacial do indivíduo e ativam os estabilizadores dinâmicos musculares.
Exercícios proprioceptivos
Usualmente os exercícios proprioceptivos são executados com a finalidade de causar propositalmente desequilíbrio e instabilidade durante a execução de determinados exercícios, ativando ao máximo os órgãos terminais sensoriais e também fibras musculares, de uma maneira que não poderiam ser estimulados com a estabilidade proporcionada por máquinas ou piso com superfície rígida e regular. Os treinos proprioceptivos devem ser compostos por exercícios dinâmicos, multidirecionais e com instabilidade. Dessa forma, saltos, corridas, mudanças abruptas de direção e exercícios resistidos realizados em superfícies instáveis fazem parte de um programa proprioceptivo. Diversos equipamentos podem ser utilizados, tais como: bolas suíças, giro-plano, bosú, cama elástica, balancinho, e pisos irregulares (areia, gramado, terrenos acidentados), etc.
Propriocepção e lesões de Joelho
Os membros inferiores são o maior sítio de lesões no esporte, perfazendo cerca de 84,5% do total, e em segundo lugar aparecem as lesões em coluna com 7,4%. Em membros inferiores o joelho é a articulação mais acometida com 35,4% de todas as lesões (12). Um recente estudo estadunidense(13) avaliou mais de 6,6 milhões de lesões nos joelhos entre os anos de 1999 a 2008, e relatou uma incidência de 2,29 lesões de joelhos para cada 1000 habitantes, sendo que indivíduos entre 15 e 24 anos são os mais acometidos. Os principais tipos de lesões foram as luxações e entorses (42,1%), contusões e desgastes (27,1%), e lacerações e perfurações (10,5%). Esportes e atividades recreativas são as maiores causas de lesões nos joelhos, totalizando 42,1% de todas lesões. Lesões ligamentares são as mais comuns no joelho (40%), seguido por lesões patelares (24%) e lesões dos meniscos (11%)(14).
Roberts et al(15) analisaram a propriocepção da articulação do joelho e sua relação com o nível de atividade física, frouxidão ligamentar, lesões (meniscos, ligamentos colaterais e cartilagem), idade e funcionalidade subjetiva em indivíduos com instabilidade no ligamento cruzado anterior (LCA). Os autores concluíram que lesões cartilaginosas, frouxidão ligamentar e idade avançada são fatores associados com pior propriocepção. Por outro lado, um maior nível de atividade física antes da lesão foi correlacionado com maior propriocepção após a lesão de LCA. Os autores ainda concluíram que a funcionalidade subjetiva do joelho está diretamente relacionada com os níveis de propriocepção.
Uma recente meta-análise conduzida por Smith, King & Hing (16) concluiu que programas compostos por exercícios proprioceptivos foram capazes de promover melhoras funcionais em indivíduos com osteoartrose de joelhos. Entretanto, esses benefícios foram similares aos encontrados com outras modalidades de exercícios (treino resistido, atividades aquáticas, etc.). Quando comparado com outras formas de exercício, o treino proprioceptivo se mostrou superior apenas na melhora do senso de posicionamento articular.
Gstoettner et al(17) conduziram um estudo com objetivo de avaliar se o treino proprioceptivo prévio a uma artroplastia total de joelho influenciaria a recuperação no período pós cirúrgico, em parâmetros da estabilidade postural e funcionalidade nas atividades de vida diária. Trinta e oito indivíduos com artrose grave no joelho, e que seriam submetidos a artroplastia total, foram aleatoriamente divididos em grupo treinamento (n=18) e grupo controle (n=20). Todos os pacientes foram examinados 6 semanas antes da cirurgia e 6 semanas após o procedimento cirúrgico, sendo que o grupo treinamento também foi avaliado no dia anterior ao procedimento. Os testes incluíam medidas de equilíbrio postural, velocidade de marcha e avaliação da funcionalidade nas atividades de vida diária. 6 meses após o procedimento cirúrgico, ambos os grupos obtiveram resultados similares na velocidade de marcha e no desempenho funcional, mas apenas o grupo submetido ao treino proprioceptivo apresentou melhora na estabilidade postural.
Mandelbaum et al(18) avaliaram, nos anos de 2000 e 2001, um total de 5703 jogadoras de futebol com idades entre 14 e 18 anos. As atletas foram dividas em dois grupos; o grupo intervenção realizou um programa de treinamento neuromuscular e proprioceptivo com o intuito de reduzir o índice de lesões do LCA, enquanto o grupo controle continuou sua rotina normal de treinamentos. Durante as temporadas de 2000 e 2001, o grupo que realizou o treino proprioceptivo apresentou respectivamente 88% e 74% de redução na incidência de lesão do LCA quando comparado com o grupo controle. Os autores do estudo concluíram que o treino neuromuscular e proprioceptivo pode gerar benefícios diretos na redução da incidência de lesões ligamentares (em especial do LCA) em jogadoras de futebol do sexo feminino.
Van Beijsterveldt et al(19) investigaram os efeitos de um programa preventivo na incidência e severidade de lesões em jogadores de futebol na categoria amador. Um total de 456 atletas foram aleatoriamente divididos em dois grupos; intervenção (n=223) e controle (n=233). O grupo intervenção realizou um programa constituído de exercícios de estabilidade do core, treino excêntrico de membros inferiores, exercícios proprioceptivos, pliométricos e de estabilização dinâmica, enquanto os atletas do grupo controle mantiveram suas atividades desportivas rotineiras. No total foram reportadas 427 lesões na temporada, sendo que incidência de lesões foi igual nos dois grupos (9.6 por 1000 horas de atividade no grupo intervenção e 9.7 por 1000 horas de atividade no grupo controle). Não houve diferença na severidade das lesões entre os dois grupos, no entanto, foi observado uma diferença significativa no local das lesões. O grupo intervenção apresentou uma menor incidência de lesões nos joelhos. A partir dos resultados, os autores concluíram que um programa de exercícios preventivos não promoveu redução na incidência e severidade das lesões em atletas de futebol amador
Os resultados de uma revisão sistemática realizada em 2005 (20) demonstraram que exercícios proprioceptivos são eficientes na reabilitação de indivíduos com deficiência ou que foram submetidos a reconstrução do LCA. Os autores desse estudo concluíram que exercícios proprioceptivos e de equilíbrio parecem ser uma forma segura de reabilitação, visto que nenhum estudo utilizando esse método relatou diminuição da força ou aumento na frouxidão ligamentar, quando comparado com programas de reabilitação padrão.
Hewett, Ford e Myer(21) em uma meta-análise realizada em 2006, relataram que treinos de equilíbrio e proprioceptivos auxiliam no aumento da força de membros inferiores, reduzindo o déficit de força e desequilíbrio bilateral, que é um fator de risco para lesões de LCA. Sendo assim, o resultado desses estudos apoiam a inclusão de exercícios proprioceptivos nas intervenções de tratamento e prevenção de lesões do LCA. No entanto, parece que exercícios de equilíbrio realizados em superfícies instáveis por si só, podem não ser suficientes para reduzir o risco de lesão do LCA. Se faz necessário também a inclusão de exercícios resistidos, pliométricos e de flexibilidade.
Segundo estatísticas, anualmente, 3,1% de todos os adultos ou 5,6% daqueles engajados em algum tipo de atividade física recreativa recebem tratamento médico para lesões decorrentes da prática esportiva(1) . As lesões esportivas são consideradas a segunda maior causa de lesões, ficando atrás apenas dos acidentes domésticos, que acometem 3,7% dos indivíduos(2). As lesões mais comuns, cerca de 60%, são os estiramentos, luxações e roturas ligamentares que ocorrem em tornozelos, joelhos, ombros, cotovelos e mãos(3). Lesões e dores na coluna também são muito comuns durante a prática esportiva. As lesões são o principal fator de afastamento de atletas em treinos e competições, causando queda no desempenho físico, técnico e psicológico, e podem levar ao abandono precoce da carreira. Sendo assim, é de suma importância a utilização de estratégias que visem prevenir lesões esportivas, ou acelerar a recuperação das mesmas. Estudos tem apontado o treinamento proprioceptivo como uma ferramenta importante na reabilitação de lesões ortopédicas, e possivelmente na prevenção (4,5)
Propriocepção é o termo utilizado para descrever a percepção do próprio corpo e inclui a consciência da postura, sensação do movimento e posicionamento articular(6). Essa percepção nos permite manter o equilíbrio postural. As articulações necessitam de informações precisas e rápidas sobre o correto posicionamento articular, o grau de amplitude e alinhamento corporal. Os movimentos ou mudanças na posição de uma articulação estimulam uma variedade de receptores que permitem a apreciação consciente da posição dos membros no espaço. O objetivo dessa complexa rede de informações é manter a estabilidade articular, determinando forças e grupos musculares específicos para prover a atuação dos indivíduos nas atividades diárias e esportivas (7).
Fisiologia da propriocepção
A informação proprioceptiva se origina de alguns órgãos terminais sensoriais (denominados proprioceptores) localizados dentro dos músculos, tendões e complexos articulares, incluindo ligamentos, fáscias e a pele(8). O termo somatosensorial é o que melhor descreve a combinação de estímulos provenientes do próprio corpo (musculotendíneos, articulares e cutâneos) e da sua resposta ao ambiente. Os estímulos somatosensoriais são combinados com informações visuais e vestibulares para manter o equilíbrio, representando 70% do controle postural na posição em pé(9). Os receptores sensoriais localizados nos músculos, tendões e articulações são denominados de mecanoreceptores e são acionados em resposta aos estímulos mecânicos oriundos da posição estática (orientação corporal) ou do movimento (força, velocidade, amplitude e direção). Uma das principais funções dos mecanoreceptores é transmitir a deformação mecânica por meio de sinais elétricos que acionam o potencial de um nervo. Os mecanoreceptores que atuam no controle proprioceptivo do movimento são: órgãos tendinosos de Golgi, fusos musculares, fibras intrafusais, corpúsculos de Ruffini, corpúsculos de Pacini e as terminações nervosas livres.
Os impulsos nervosos originados nesses receptores podem ser conscientes ou inconscientes. Os inconscientes não despertam sensação, sendo utilizados pelo Sistema Nervoso Central (SNC) para regular a atividade muscular através do reflexo miotático ou dos vários centros envolvidos na atividade motora, em especial o cerebelo. Os impulsos proprioceptivos conscientes atingem o córtex cerebral e permitem a um indivíduo ter percepção corporal (noção espacial, atividade muscular e movimento articular), sendo responsáveis pelo sentido de posição e de cinestesia (10).
As articulações e músculos adjacentes têm uma inervação aferente direta, ou seja, qualquer informação sobre um movimento das estruturas articulares é sinalizada pelos receptores sensoriais (mecanoreceptores) e enviadas para o sistema nervoso central. A informação aferente da articulação é a seguir projetada para os centros de processamentos centrais no cérebro, por reflexos não perceptíveis, e após serem processadas, essas informações retornam para regular o posicionamento articular, o grau de amplitude e alinhamento corporal, bem como a atividade muscular (através do reflexo miotático).
Em resumo os receptores sensoriais, ou mais especificamente os proprioceptores, são essenciais para informar ao nosso cérebro a noção de posição dos membros, e por sua vez, esta informação de posicionamento corporal é essencial para o controle adequado do movimento. A capacidade e velocidade em que podemos executar correções nos padrões de movimentos são treináveis, e os exercícios proprioceptivos parecem contribuir significativamente para atingir a excelência no controle neuromotor. Teoricamente, estimular os mecanoreceptores articulares aumenta a atividade motora gama, o que resulta em um aumento da sensibilidade dos fusos musculares nas adjacências das articulações, e que por fim levam a um maior estado de “alerta” dos músculos para responder a perturbações nos movimentos (11). Nesse sentido, os mecanoreceptores agem como gatilho de alerta, emitindo impulsos para o sistema nevoso central, que aciona mecanismos reflexos que, por sua vez, protegem a articulação, previnem os movimentos inadequados, sensibilizam a orientação espacial do indivíduo e ativam os estabilizadores dinâmicos musculares.
Exercícios proprioceptivos
Usualmente os exercícios proprioceptivos são executados com a finalidade de causar propositalmente desequilíbrio e instabilidade durante a execução de determinados exercícios, ativando ao máximo os órgãos terminais sensoriais e também fibras musculares, de uma maneira que não poderiam ser estimulados com a estabilidade proporcionada por máquinas ou piso com superfície rígida e regular. Os treinos proprioceptivos devem ser compostos por exercícios dinâmicos, multidirecionais e com instabilidade. Dessa forma, saltos, corridas, mudanças abruptas de direção e exercícios resistidos realizados em superfícies instáveis fazem parte de um programa proprioceptivo. Diversos equipamentos podem ser utilizados, tais como: bolas suíças, giro-plano, bosú, cama elástica, balancinho, e pisos irregulares (areia, gramado, terrenos acidentados), etc.
Propriocepção e lesões de Joelho
Os membros inferiores são o maior sítio de lesões no esporte, perfazendo cerca de 84,5% do total, e em segundo lugar aparecem as lesões em coluna com 7,4%. Em membros inferiores o joelho é a articulação mais acometida com 35,4% de todas as lesões (12). Um recente estudo estadunidense(13) avaliou mais de 6,6 milhões de lesões nos joelhos entre os anos de 1999 a 2008, e relatou uma incidência de 2,29 lesões de joelhos para cada 1000 habitantes, sendo que indivíduos entre 15 e 24 anos são os mais acometidos. Os principais tipos de lesões foram as luxações e entorses (42,1%), contusões e desgastes (27,1%), e lacerações e perfurações (10,5%). Esportes e atividades recreativas são as maiores causas de lesões nos joelhos, totalizando 42,1% de todas lesões. Lesões ligamentares são as mais comuns no joelho (40%), seguido por lesões patelares (24%) e lesões dos meniscos (11%)(14).
Roberts et al(15) analisaram a propriocepção da articulação do joelho e sua relação com o nível de atividade física, frouxidão ligamentar, lesões (meniscos, ligamentos colaterais e cartilagem), idade e funcionalidade subjetiva em indivíduos com instabilidade no ligamento cruzado anterior (LCA). Os autores concluíram que lesões cartilaginosas, frouxidão ligamentar e idade avançada são fatores associados com pior propriocepção. Por outro lado, um maior nível de atividade física antes da lesão foi correlacionado com maior propriocepção após a lesão de LCA. Os autores ainda concluíram que a funcionalidade subjetiva do joelho está diretamente relacionada com os níveis de propriocepção.
Uma recente meta-análise conduzida por Smith, King & Hing (16) concluiu que programas compostos por exercícios proprioceptivos foram capazes de promover melhoras funcionais em indivíduos com osteoartrose de joelhos. Entretanto, esses benefícios foram similares aos encontrados com outras modalidades de exercícios (treino resistido, atividades aquáticas, etc.). Quando comparado com outras formas de exercício, o treino proprioceptivo se mostrou superior apenas na melhora do senso de posicionamento articular.
Gstoettner et al(17) conduziram um estudo com objetivo de avaliar se o treino proprioceptivo prévio a uma artroplastia total de joelho influenciaria a recuperação no período pós cirúrgico, em parâmetros da estabilidade postural e funcionalidade nas atividades de vida diária. Trinta e oito indivíduos com artrose grave no joelho, e que seriam submetidos a artroplastia total, foram aleatoriamente divididos em grupo treinamento (n=18) e grupo controle (n=20). Todos os pacientes foram examinados 6 semanas antes da cirurgia e 6 semanas após o procedimento cirúrgico, sendo que o grupo treinamento também foi avaliado no dia anterior ao procedimento. Os testes incluíam medidas de equilíbrio postural, velocidade de marcha e avaliação da funcionalidade nas atividades de vida diária. 6 meses após o procedimento cirúrgico, ambos os grupos obtiveram resultados similares na velocidade de marcha e no desempenho funcional, mas apenas o grupo submetido ao treino proprioceptivo apresentou melhora na estabilidade postural.
Mandelbaum et al(18) avaliaram, nos anos de 2000 e 2001, um total de 5703 jogadoras de futebol com idades entre 14 e 18 anos. As atletas foram dividas em dois grupos; o grupo intervenção realizou um programa de treinamento neuromuscular e proprioceptivo com o intuito de reduzir o índice de lesões do LCA, enquanto o grupo controle continuou sua rotina normal de treinamentos. Durante as temporadas de 2000 e 2001, o grupo que realizou o treino proprioceptivo apresentou respectivamente 88% e 74% de redução na incidência de lesão do LCA quando comparado com o grupo controle. Os autores do estudo concluíram que o treino neuromuscular e proprioceptivo pode gerar benefícios diretos na redução da incidência de lesões ligamentares (em especial do LCA) em jogadoras de futebol do sexo feminino.
Van Beijsterveldt et al(19) investigaram os efeitos de um programa preventivo na incidência e severidade de lesões em jogadores de futebol na categoria amador. Um total de 456 atletas foram aleatoriamente divididos em dois grupos; intervenção (n=223) e controle (n=233). O grupo intervenção realizou um programa constituído de exercícios de estabilidade do core, treino excêntrico de membros inferiores, exercícios proprioceptivos, pliométricos e de estabilização dinâmica, enquanto os atletas do grupo controle mantiveram suas atividades desportivas rotineiras. No total foram reportadas 427 lesões na temporada, sendo que incidência de lesões foi igual nos dois grupos (9.6 por 1000 horas de atividade no grupo intervenção e 9.7 por 1000 horas de atividade no grupo controle). Não houve diferença na severidade das lesões entre os dois grupos, no entanto, foi observado uma diferença significativa no local das lesões. O grupo intervenção apresentou uma menor incidência de lesões nos joelhos. A partir dos resultados, os autores concluíram que um programa de exercícios preventivos não promoveu redução na incidência e severidade das lesões em atletas de futebol amador
Os resultados de uma revisão sistemática realizada em 2005 (20) demonstraram que exercícios proprioceptivos são eficientes na reabilitação de indivíduos com deficiência ou que foram submetidos a reconstrução do LCA. Os autores desse estudo concluíram que exercícios proprioceptivos e de equilíbrio parecem ser uma forma segura de reabilitação, visto que nenhum estudo utilizando esse método relatou diminuição da força ou aumento na frouxidão ligamentar, quando comparado com programas de reabilitação padrão.
Hewett, Ford e Myer(21) em uma meta-análise realizada em 2006, relataram que treinos de equilíbrio e proprioceptivos auxiliam no aumento da força de membros inferiores, reduzindo o déficit de força e desequilíbrio bilateral, que é um fator de risco para lesões de LCA. Sendo assim, o resultado desses estudos apoiam a inclusão de exercícios proprioceptivos nas intervenções de tratamento e prevenção de lesões do LCA. No entanto, parece que exercícios de equilíbrio realizados em superfícies instáveis por si só, podem não ser suficientes para reduzir o risco de lesão do LCA. Se faz necessário também a inclusão de exercícios resistidos, pliométricos e de flexibilidade.
Uma das
lesões mais comuns no meio esportivo é o entorse de tornozelo em inversão (ou
lateral), e estima-se que entre 70-80% dos atletas acometidos por essa lesão
sofrerão um entorse recorrente. Sinais de instabilidade residual ocorrem em
20-40% dos indivíduos após terem sofrido esse tipo de entorse, e essa
instabilidade a longo prazo pode predispor ao surgimento de artrose na
articulação do tornozelo(1). A instabilidade residual parece ser a principal
causa da recorrência do entorse em inversão, sendo que essa instabilidade pode
ser de origem mecânica ou funcional(2). A instabilidade mecânica ocorre quando
existe uma anormalidade anatômica da articulação do tornozelo, como por exemplo
uma frouxidão ou movimentação excessiva da articulação subtalar, talocrural ou
tibiofibular, resultante de danos ligamentares da articulação(2). Já a
instabilidade funcional é descrita como uma sensação de “falseios” ou
instabilidade do tornozelo(3) que ocorre sem necessariamente uma lesão
ligamentar, mas que pode estar relacionada com danos nos mecanoreceptores dos
ligamentos laterais ou tendões de músculos adjacentes ao tornozelo, o que acaba
interferindo negativamente no reflexo proprioceptivo. Mais da metade dos
pacientes com instabilidade crônica do tornozelo não tem evidência clínica ou
radiológica de instabilidade mecânica.
Hupperets et al(4) conduziram um estudo com 522 atletas que sofreram entorse do tornozelo (256 no grupo intervenção e 266 no controle) e verificaram que um programa de exercícios proprioceptivos realizados em casa por 8 semanas reduziu em 35% o risco de recorrência do entorse.
Verhagen e colaboradores(5) acompanharam 116 equipes de voleibol durante a temporada de 2001-2002, sendo que do total 66 equipes fizeram parte do grupo intervenção e outras 50 foram do grupo controle. As equipes do grupo intervenção, além da rotina normal de treinamento, realizaram exercícios de equilíbrio no giro-plano (tábua de propriocepção). Ao final da temporada, quando comparado com o grupo controle, notou-se uma menor taxa de entorses de tornozelo no grupo que realizou treino proprioceptivo, entretanto essa redução no risco de entorse só foi significativa nos indivíduos com histórico prévio de entorses. Os resultados deste estudo levaram os autores a concluir que exercícios proprioceptivos no giro-plano apenas são eficazes para reduzir o risco de entorses recorrentes, mas não o primeiro entorse. Uma possível explicação para esse fato é que os exercícios de equilíbrio (propriocepção) apenas beneficiaram os jogadores com alterações nos mecanismos proprioceptivos.
McGuine e Keene(6) realizaram um estudo com objetivo de verificar a incidência de lesões no tornozelo de atletas escolares nas modalidades futebol e basquetebol quando submetidos a treino proprioceptivo. No total 765 atletas foram aleatoriamente direcionados para um dos dois grupos: o grupo intervenção (373 atletas) participou de um programa de treinamento de equilíbrio enquanto o grupo controle (392 atletas) manteve suas atividades desportivas rotineiras. Os resultados desse estudo demonstraram que a taxa de entorse de tornozelo foi significativamente menor nos indivíduos do grupo intervenção. Ao comparar indivíduos com história prévia de entorse de tornozelo, se percebeu que esses indivíduos tinham duas vezes mais chance de sofrer novo entorse, e quando eram submetidos ao treinamento proprioceptivo esse risco caia pela metade. A taxa de entorse de tornozelo em atletas sem história prévia de lesão foi menor após o treino proprioceptivo, entretanto não foram encontradas diferenças estatísticas entre os grupos controle e intervenção.
Uma meta-análise conduzida por Postle e colaboradores(7) concluiu que a adição de exercícios proprioceptivos durante um programa de reabilitação não foi capaz de prevenir lesões recorrentes em indivíduos com lesões ligamentares em tornozelo. Entretanto a inclusão de treinamento proprioceptivo reduziu de forma significativa a percepção de instabilidade no tornozelo e promoveu melhoras funcionais. Os autores desse estudo concluíram que ainda não existe um consenso na literatura acerca das vantagens em se incluir treino proprioceptivo na reabilitação do tornozelo.
Propriocepção e fortalecimento do CORE
O termo core tem sido utilizado para se referir aos músculos e outros tecidos da região do tronco, mais especificamente da região lombo-pélvica. A estabilidade da região lombo-pélvica é crucial para permitir uma movimentação harmoniosa de membros inferiores e superiores, para suportar carga, e principalmente proteger a coluna vertebral de danos que possam comprometer a integridade da medula espinhal e raízes nervosas (8). A estabilidade do core pode ser definida como a capacidade que os músculos, ligamentos e órgãos proprioceptores tem em manter a zona intervertebral neutra dentro de limites fisiológicos (9). A perda do controle da zona neutra pode causar lesões, discopatias degenerativas e fraqueza muscular. Um déficit no controle neuromuscular da região core também pode comprometer a estabilidade dinâmica de membros inferiores, resultando em maior torque do joelho em abdução, causando maior tensão ligamentar e aumentando de maneira significativa o risco de lesões nos joelhos.
A estabilidade dinâmica do joelho de um atleta depende da habilidade da articulação em manter a trajetória programada após perturbações internas e externas, sendo para isso necessário respostas sensoriais e motoras apropriadas do tronco para interagir com as rápidas mudanças na posição corporal que ocorrem em diversas manobras esportivas, tais como arrancadas, freadas bruscas, aterrisagens, etc(10).
Diversos estudos tem demonstrado que exercícios direcionados para aumentar a estabilidade do core podem reduzir a propensão de lesões de membros inferiores e dores em coluna lombar (8,11-17). Exercícios proprioceptivos, ou seja, realizados em superfícies instáveis e/ou com perturbações parecem ativar com maior intensidade a região do core(8), fortalecendo e dando resistência aos músculos, bem como aprimorando as respostas proprioceptivas dessa região.
Behm e colaboradores demonstraram que exercícios direcionados ao tronco realizados na bola suíça resultaram em uma maior ativação dos músculos abdominais inferiores quando comparados com os mesmos exercícios realizados em superfície rígida(18). Da mesma forma Vera-Garcia e colaboradores compararam a execução de exercícios em superfícies rígidas com superfícies instáveis, e concluíram que exercícios realizados em superfícies instáveis promoveram uma maior ativação dos músculos abdominais e do oblíquo externo, levando a um maior estímulo para desenvolver força e estabilização da coluna (19).
Marshall e Murphy encontraram um aumento significativo na atividade eletromiográfica do reto abdominal, transverso abdominal e oblíquos internos durante a execução de exercícios para estabilidade do core realizados na bola suíça, valores superiores aos encontrados nos mesmos exercícios realizados em superfície estável(20). Vale ressaltar que o aumento na atividade eletromiográfica encontrada nesses estudos sempre comparou esses exercícios sendo realizados apenas com o peso corporal, ou com a mesma carga absoluta.
Behm e colaboradores também avaliaram a capacidade de produção de força e ativação muscular de exercícios realizados em superfície rígida e em superfície instável (bola suíça) e puderam observar que ao realizar os exercícios na bola suíça a força produzida na extensão de joelhos e flexão plantar era 70,5 e 20,2% menor do que em superfície rígida, respectivamente. A ativação eletromiográfica também foi 44,3% (quadríceps) e 2,9% (flexores plantares) menor nos exercícios realizados em superfície instável. Os autores do estudo concluíram que quando a superfície é muito instável a produção de força periférica (ex. membros inferiores) é reduzida enquanto a força na região core é aumentada, dessa forma esse tipo de exercício é insuficiente para ganhos de força nos membros, mas parece aprimorar o equilíbrio, estabilidade e capacidade proprioceptiva (21).
Uma revisão publicada em 2010 avaliou diversos estudos que incluíam exercícios realizados em superfícies instáveis e em superfícies rígidas, tendo como o foco a ativação do core. Os autores concluíram que apesar de exercícios realizados em superfícies instáveis se mostrarem eficientes para reduzir a incidência de dor lombar e aumentar a eficiência sensorial de tecidos moles, eles não são recomendados como exercícios primários para hipertrofia, força absoluta ou potência, especialmente em atletas. Para praticantes avançados ou atletas, exercícios com peso livre realizados em superfícies rígidas com nível moderado de instabilidade (ex. agachamento livre executado com barra ao invés de executado no Smith ou hack) devem formar a base de exercícios para treinar a musculatura do core. Exercícios em superfícies instáveis podem ter uma importante função para indivíduos iniciantes ou em reabilitação, ou como alternativa de exercícios para indivíduos com pouco interesse em se exercitar com pesos livres (22).
Os exercícios de musculação tradicionais podem ser considerados funcionais e com grande capacidade de desenvolver a estabilização do core. Para isto basta realizar algumas alterações na forma de executá-los, tais como: preferir peso livre ao invés de máquinas, realizar os exercícios em pé ao invés de sentado, exercícios unilaterais ao invés de bilaterais, e por fim, escolher exercícios básicos como agachamento, levantamento terra, stiff, desenvolvimento com halteres, etc.
Atletas e indivíduos saudáveis que realizam os exercícios básicos já recebem estímulo suficiente para o fortalecimento do core, não necessitando de exercícios em superfícies instáveis ou com perturbação externa.
Considerações finais
A partir do exposto no presente artigo pode-se concluir que os proprioceptores tem um papel fundamental no controle neuromotor, permitindo uma adequada manutenção da estabilidade articular e proporcionando proteção contra lesões. O treino proprioceptivo parece ter um papel importante na reabilitação de lesões no esporte, visto que os órgãos proprioceptores são danificados nos processos lesivos e precisam ser novamente treinados durante o processo de reabilitação. No entanto, o papel do treino proprioceptivo na prevenção de lesões ainda é controverso, visto que a maioria dos estudos não demonstrou efeitos significativos na redução da incidência de lesões em atletas sem histórico de lesão prévia. Além disso, a maioria dos estudos não isola o treino proprioceptivo de suas intervenções, e sim, o utiliza em conjunto com treinos neuromusculares, que são compostos na maioria das vezes por exercícios resistidos, pliométricos, treinos de flexibilidade e outros.
Será que apenas os exercícios proprioceptivos isolados, ou melhor, exercícios com perturbações externas e/ou em superfícies instáveis, tem um papel importante para a prevenção de lesões no esporte? Os treinos esportivos tradicionais já não apresentam componentes suficientes para treinar os proprioceptores? Quando observamos um treino ou jogo de futebol notamos uma gama de movimentos capazes de treinar os proprioceptores com maestria, uma vez que essa modalidade é basicamente composta de arrancadas, mudanças bruscas de direção, saltos, trombadas, terreno irregular, etc.
O que notamos hoje em dia é que muitos profissionais estão numa constante e desenfreada busca por métodos ou treinos “diferentes” e muitas vezes tais metodologias são infundadas ou mal aplicadas. As academias foram invadidas por “treinos funcionais”, dessa forma não é incomum vermos jovens, que buscam melhora da força e hipertrofia, trocando o agachamento com barra livre por um agachamento sem peso realizado em cima do bosú. Os exercícios básicos já são totalmente eficientes para promover melhoras funcionais na maioria das pessoas, da mesma forma os gestos esportivos dos treinos convencionais parecem ser suficientes para treinar os mecanismos proprioceptores. Certamente treinos em superfícies instáveis tem a sua aplicabilidade, entretanto essa parece ser restrita a reabilitação de lesões ou direcionada para indivíduos com determinadas restrições.
Referências bibliográficas
1. Richie DH, Jr. Functional instability of the ankle and the role of neuromuscular control: a comprehensive review. The Journal of foot and ankle surgery : official publication of the American College of Foot and Ankle Surgeons. Jul-Aug 2001;40(4):240-251.
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11. Caraffa A, Cerulli G, Projetti M, Aisa G, Rizzo A. Prevention of anterior cruciate ligament injuries in soccer. A prospective controlled study of proprioceptive training. Knee surgery, sports traumatology, arthroscopy : official journal of the ESSKA. 1996;4(1):19-21.
12. Fitzgerald GK, Axe MJ, Snyder-Mackler L. The efficacy of perturbation training in nonoperative anterior cruciate ligament rehabilitation programs for physical active individuals. Physical therapy. Feb 2000;80(2):128-140.
13. McGill SM, Grenier S, Kavcic N, Cholewicki J. Coordination of muscle activity to assure stability of the lumbar spine. Journal of electromyography and kinesiology : official journal of the International Society of Electrophysiological Kinesiology. Aug 2003;13(4):353-359.
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17. Wedderkopp N, Kaltoft M, Lundgaard B, Rosendahl M, Froberg K. Prevention of injuries in young female players in European team handball. A prospective intervention study. Scandinavian journal of medicine & science in sports. Feb 1999;9(1):41-47.
18. Behm DG, Leonard AM, Young WB, Bonsey WA, MacKinnon SN. Trunk muscle electromyographic activity with unstable and unilateral exercises. Journal of strength and conditioning research / National Strength & Conditioning Association. Feb 2005;19(1):193-201.
19. Vera-Garcia FJ, Grenier SG, McGill SM. Abdominal muscle response during curl-ups on both stable and labile surfaces. Physical therapy. Jun 2000;80(6):564-569.
20. Marshall PW, Murphy BA. Core stability exercises on and off a Swiss ball. Archives of physical medicine and rehabilitation. Feb 2005;86(2):242-249.
21. Behm DG, Anderson K, Curnew RS. Muscle force and activation under stable and unstable conditions. Journal of strength and conditioning research / National Strength & Conditioning Association. Aug 2002;16(3):416-422.
22. Behm DG, Drinkwater EJ, Willardson JM, Cowley PM. The use of instability to train the core musculature. Applied physiology, nutrition, and metabolism = Physiologie appliquee, nutrition et metabolisme. Feb 2010;35(1):91-108.
Hupperets et al(4) conduziram um estudo com 522 atletas que sofreram entorse do tornozelo (256 no grupo intervenção e 266 no controle) e verificaram que um programa de exercícios proprioceptivos realizados em casa por 8 semanas reduziu em 35% o risco de recorrência do entorse.
Verhagen e colaboradores(5) acompanharam 116 equipes de voleibol durante a temporada de 2001-2002, sendo que do total 66 equipes fizeram parte do grupo intervenção e outras 50 foram do grupo controle. As equipes do grupo intervenção, além da rotina normal de treinamento, realizaram exercícios de equilíbrio no giro-plano (tábua de propriocepção). Ao final da temporada, quando comparado com o grupo controle, notou-se uma menor taxa de entorses de tornozelo no grupo que realizou treino proprioceptivo, entretanto essa redução no risco de entorse só foi significativa nos indivíduos com histórico prévio de entorses. Os resultados deste estudo levaram os autores a concluir que exercícios proprioceptivos no giro-plano apenas são eficazes para reduzir o risco de entorses recorrentes, mas não o primeiro entorse. Uma possível explicação para esse fato é que os exercícios de equilíbrio (propriocepção) apenas beneficiaram os jogadores com alterações nos mecanismos proprioceptivos.
McGuine e Keene(6) realizaram um estudo com objetivo de verificar a incidência de lesões no tornozelo de atletas escolares nas modalidades futebol e basquetebol quando submetidos a treino proprioceptivo. No total 765 atletas foram aleatoriamente direcionados para um dos dois grupos: o grupo intervenção (373 atletas) participou de um programa de treinamento de equilíbrio enquanto o grupo controle (392 atletas) manteve suas atividades desportivas rotineiras. Os resultados desse estudo demonstraram que a taxa de entorse de tornozelo foi significativamente menor nos indivíduos do grupo intervenção. Ao comparar indivíduos com história prévia de entorse de tornozelo, se percebeu que esses indivíduos tinham duas vezes mais chance de sofrer novo entorse, e quando eram submetidos ao treinamento proprioceptivo esse risco caia pela metade. A taxa de entorse de tornozelo em atletas sem história prévia de lesão foi menor após o treino proprioceptivo, entretanto não foram encontradas diferenças estatísticas entre os grupos controle e intervenção.
Uma meta-análise conduzida por Postle e colaboradores(7) concluiu que a adição de exercícios proprioceptivos durante um programa de reabilitação não foi capaz de prevenir lesões recorrentes em indivíduos com lesões ligamentares em tornozelo. Entretanto a inclusão de treinamento proprioceptivo reduziu de forma significativa a percepção de instabilidade no tornozelo e promoveu melhoras funcionais. Os autores desse estudo concluíram que ainda não existe um consenso na literatura acerca das vantagens em se incluir treino proprioceptivo na reabilitação do tornozelo.
Propriocepção e fortalecimento do CORE
O termo core tem sido utilizado para se referir aos músculos e outros tecidos da região do tronco, mais especificamente da região lombo-pélvica. A estabilidade da região lombo-pélvica é crucial para permitir uma movimentação harmoniosa de membros inferiores e superiores, para suportar carga, e principalmente proteger a coluna vertebral de danos que possam comprometer a integridade da medula espinhal e raízes nervosas (8). A estabilidade do core pode ser definida como a capacidade que os músculos, ligamentos e órgãos proprioceptores tem em manter a zona intervertebral neutra dentro de limites fisiológicos (9). A perda do controle da zona neutra pode causar lesões, discopatias degenerativas e fraqueza muscular. Um déficit no controle neuromuscular da região core também pode comprometer a estabilidade dinâmica de membros inferiores, resultando em maior torque do joelho em abdução, causando maior tensão ligamentar e aumentando de maneira significativa o risco de lesões nos joelhos.
A estabilidade dinâmica do joelho de um atleta depende da habilidade da articulação em manter a trajetória programada após perturbações internas e externas, sendo para isso necessário respostas sensoriais e motoras apropriadas do tronco para interagir com as rápidas mudanças na posição corporal que ocorrem em diversas manobras esportivas, tais como arrancadas, freadas bruscas, aterrisagens, etc(10).
Diversos estudos tem demonstrado que exercícios direcionados para aumentar a estabilidade do core podem reduzir a propensão de lesões de membros inferiores e dores em coluna lombar (8,11-17). Exercícios proprioceptivos, ou seja, realizados em superfícies instáveis e/ou com perturbações parecem ativar com maior intensidade a região do core(8), fortalecendo e dando resistência aos músculos, bem como aprimorando as respostas proprioceptivas dessa região.
Behm e colaboradores demonstraram que exercícios direcionados ao tronco realizados na bola suíça resultaram em uma maior ativação dos músculos abdominais inferiores quando comparados com os mesmos exercícios realizados em superfície rígida(18). Da mesma forma Vera-Garcia e colaboradores compararam a execução de exercícios em superfícies rígidas com superfícies instáveis, e concluíram que exercícios realizados em superfícies instáveis promoveram uma maior ativação dos músculos abdominais e do oblíquo externo, levando a um maior estímulo para desenvolver força e estabilização da coluna (19).
Marshall e Murphy encontraram um aumento significativo na atividade eletromiográfica do reto abdominal, transverso abdominal e oblíquos internos durante a execução de exercícios para estabilidade do core realizados na bola suíça, valores superiores aos encontrados nos mesmos exercícios realizados em superfície estável(20). Vale ressaltar que o aumento na atividade eletromiográfica encontrada nesses estudos sempre comparou esses exercícios sendo realizados apenas com o peso corporal, ou com a mesma carga absoluta.
Behm e colaboradores também avaliaram a capacidade de produção de força e ativação muscular de exercícios realizados em superfície rígida e em superfície instável (bola suíça) e puderam observar que ao realizar os exercícios na bola suíça a força produzida na extensão de joelhos e flexão plantar era 70,5 e 20,2% menor do que em superfície rígida, respectivamente. A ativação eletromiográfica também foi 44,3% (quadríceps) e 2,9% (flexores plantares) menor nos exercícios realizados em superfície instável. Os autores do estudo concluíram que quando a superfície é muito instável a produção de força periférica (ex. membros inferiores) é reduzida enquanto a força na região core é aumentada, dessa forma esse tipo de exercício é insuficiente para ganhos de força nos membros, mas parece aprimorar o equilíbrio, estabilidade e capacidade proprioceptiva (21).
Uma revisão publicada em 2010 avaliou diversos estudos que incluíam exercícios realizados em superfícies instáveis e em superfícies rígidas, tendo como o foco a ativação do core. Os autores concluíram que apesar de exercícios realizados em superfícies instáveis se mostrarem eficientes para reduzir a incidência de dor lombar e aumentar a eficiência sensorial de tecidos moles, eles não são recomendados como exercícios primários para hipertrofia, força absoluta ou potência, especialmente em atletas. Para praticantes avançados ou atletas, exercícios com peso livre realizados em superfícies rígidas com nível moderado de instabilidade (ex. agachamento livre executado com barra ao invés de executado no Smith ou hack) devem formar a base de exercícios para treinar a musculatura do core. Exercícios em superfícies instáveis podem ter uma importante função para indivíduos iniciantes ou em reabilitação, ou como alternativa de exercícios para indivíduos com pouco interesse em se exercitar com pesos livres (22).
Os exercícios de musculação tradicionais podem ser considerados funcionais e com grande capacidade de desenvolver a estabilização do core. Para isto basta realizar algumas alterações na forma de executá-los, tais como: preferir peso livre ao invés de máquinas, realizar os exercícios em pé ao invés de sentado, exercícios unilaterais ao invés de bilaterais, e por fim, escolher exercícios básicos como agachamento, levantamento terra, stiff, desenvolvimento com halteres, etc.
Atletas e indivíduos saudáveis que realizam os exercícios básicos já recebem estímulo suficiente para o fortalecimento do core, não necessitando de exercícios em superfícies instáveis ou com perturbação externa.
Considerações finais
A partir do exposto no presente artigo pode-se concluir que os proprioceptores tem um papel fundamental no controle neuromotor, permitindo uma adequada manutenção da estabilidade articular e proporcionando proteção contra lesões. O treino proprioceptivo parece ter um papel importante na reabilitação de lesões no esporte, visto que os órgãos proprioceptores são danificados nos processos lesivos e precisam ser novamente treinados durante o processo de reabilitação. No entanto, o papel do treino proprioceptivo na prevenção de lesões ainda é controverso, visto que a maioria dos estudos não demonstrou efeitos significativos na redução da incidência de lesões em atletas sem histórico de lesão prévia. Além disso, a maioria dos estudos não isola o treino proprioceptivo de suas intervenções, e sim, o utiliza em conjunto com treinos neuromusculares, que são compostos na maioria das vezes por exercícios resistidos, pliométricos, treinos de flexibilidade e outros.
Será que apenas os exercícios proprioceptivos isolados, ou melhor, exercícios com perturbações externas e/ou em superfícies instáveis, tem um papel importante para a prevenção de lesões no esporte? Os treinos esportivos tradicionais já não apresentam componentes suficientes para treinar os proprioceptores? Quando observamos um treino ou jogo de futebol notamos uma gama de movimentos capazes de treinar os proprioceptores com maestria, uma vez que essa modalidade é basicamente composta de arrancadas, mudanças bruscas de direção, saltos, trombadas, terreno irregular, etc.
O que notamos hoje em dia é que muitos profissionais estão numa constante e desenfreada busca por métodos ou treinos “diferentes” e muitas vezes tais metodologias são infundadas ou mal aplicadas. As academias foram invadidas por “treinos funcionais”, dessa forma não é incomum vermos jovens, que buscam melhora da força e hipertrofia, trocando o agachamento com barra livre por um agachamento sem peso realizado em cima do bosú. Os exercícios básicos já são totalmente eficientes para promover melhoras funcionais na maioria das pessoas, da mesma forma os gestos esportivos dos treinos convencionais parecem ser suficientes para treinar os mecanismos proprioceptores. Certamente treinos em superfícies instáveis tem a sua aplicabilidade, entretanto essa parece ser restrita a reabilitação de lesões ou direcionada para indivíduos com determinadas restrições.
Referências bibliográficas
1. Richie DH, Jr. Functional instability of the ankle and the role of neuromuscular control: a comprehensive review. The Journal of foot and ankle surgery : official publication of the American College of Foot and Ankle Surgeons. Jul-Aug 2001;40(4):240-251.
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16. Paterno MV, Myer GD, Ford KR, Hewett TE. Neuromuscular training improves single-limb stability in young female athletes. The Journal of orthopaedic and sports physical therapy. Jun 2004;34(6):305-316.
17. Wedderkopp N, Kaltoft M, Lundgaard B, Rosendahl M, Froberg K. Prevention of injuries in young female players in European team handball. A prospective intervention study. Scandinavian journal of medicine & science in sports. Feb 1999;9(1):41-47.
18. Behm DG, Leonard AM, Young WB, Bonsey WA, MacKinnon SN. Trunk muscle electromyographic activity with unstable and unilateral exercises. Journal of strength and conditioning research / National Strength & Conditioning Association. Feb 2005;19(1):193-201.
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22. Behm DG, Drinkwater EJ, Willardson JM, Cowley PM. The use of instability to train the core musculature. Applied physiology, nutrition, and metabolism = Physiologie appliquee, nutrition et metabolisme. Feb 2010;35(1):91-108.
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