X-Terra
Endurance 80K: Qual O Limite?
Foto postada no facebook. Medalha, camisa oficial da prova e inúmeras
congratulações. Uma delas em especial, feita pelo meu amigo Fabiano Lima,
chamou-me atenção: qual o limite?
Fazia todo sentido. Normalmente iniciamos no mundo esportivo da corrida
em provas de 5 e 10 quilômetros. O sonho de correr uma meia-maratona nos
incentiva a ficar no esporte. Há aqueles que por ali coerentemente estacionam.
Há outros mais destemidos que sonham em completar a prova mais clássica: a
maratona.
É neste momento que eu percebo que há uma clara divisão de águas. Muitos
se dedicarão à tentativa de quebras de marcas pessoais de tempo nessas provas
citadas e outros que irão se submeter a desafios em provas de longa duração.
O treinamento, por óbvio, é completamente diferente. Para o
ultramaratonista, nada de treinos avassaladores. Como leigo, resumo: vai girar
por aí. Esqueça o número de quilômetros. Programe-se para simplesmente correr
por muito tempo.
E provas deste quilate não param de aparecer e de se consolidarem: as
famosas ultramaratonas (algumas chegam ao limite de 217Km)!
Enfim, esta introdução para que você entenda o que aconteceu neste último
final de semana quando um grupo de amigos partiu para mais uma ultramaratona.
Filipe, Roger, Ashbel e eu queríamos completar a primeira edição da prova de 80
quilômetros que seria realizada em Ilhabela, São Paulo.
Saímos sexta-feira do Rio. A viagem durou aproximadamente 6 horas de
carro. Ao chegarmos em Ilhabela, encontramos nosso professor Eduardo Gomez que
estava lá para participar da edição do triathlon que ocorreria pela manhã do
dia seguinte.
Como havíamos decidido fazer essa prova com apenas três semanas de
antecedência (uma longa estória) só encontramos vaga no “Hotel Pelicano”, um
estabelecimento abandonado a própria sorte há pelo menos vinte anos (rs).
Devidamente instalados na nossa “suíte” composta de dois beliches, um
ventilador de teto e inúmeros insetos, fomos assistir ao congresso técnico. Kit
de prova em mão, pizzaria, encontro com nosso amigo Rodrigo Tramontina, muitas
risadas. Era hora de dormir. Ou de pelo menos tentar. Eu dormi no máximo umas
três horas. O colchão, o estrado, a rinite, nada ajudava.
Após assistirmos Eduardo Gomez completar seu triathlon, partimos para o
almoço. Hora conferir as roupas e os equipamentos. Todos alinhados para a
largada às 13h15min: Iazaldir Feitosa, André Guarishi, Rosália Camargo, Manuela
Vilaseca, Chico Santos, entre tantos outros.
Eu e Filipe decidimos largar sob o ritmo de 6:30min/km. Era nesse ritmo
que estávamos acostumados a iniciar nosso treinamento. Normalmente levaríamos
40 minutos para começarmos a “soltar a perna”.
Ainda nos primeiros 10 quilômetros, Filipe reclamava da má digestão do
almoço. Sentia-se mal. Diminuímos muito o ritmo. Chegamos a parar. Fiquei
preocupado com a possibilidade dele não conseguir completar a prova em virtude
dos “cortes de tempo” previstos pela organização. Outro fator que me preocupava
era a possibilidade de encararmos boa parte da prova (trilhas muito difíceis) à
noite. No meu pensamento teríamos que correr bem durante o dia para podermos
encararmos a corrida à noite com mais calma.
Mas a coisa não ia bem. Seguidas paradas, caminhadas muito lentas.
Chegava o momento para a decisão mais difícil: seguir sozinho ou esperar Filipe
melhorar? A decisão tinha que ser conjunta e consensual. Parti sozinho.
Depois de alguns trechos de “single track”, ao chegar ao asfalto acelerei
o ritmo. Para minha surpresa encontrei Rosália Camargo se queixando de não
estar passando bem. Havia diminuído o ritmo mas se mantinha na prova. Nos
despedimos.
Alguns quilômetros depois encontro Ashbel Almeida. Estava bem.
Conversamos um pouco. Causou-me uma boa surpresa vê-lo tão bem ainda naquele
momento da prova. Como estava sem o Garmin calculo que naquele momento
estávamos com uns 25 quilômetros de prova.
Mais a frente encontrei um grupo de ultramatonistas de Brasília e do
Espírito Santo. Ultrapassei-os. Mais do que estar se sentindo bem, as horas passavam
e eu sabia que teríamos uma trilha para percorrer.
Cheguei ao quilômetro 35. Eram 16h45min. A primeira parada da prova para
a troca de equipamento (special needs) estava a 10 quilômetros. Imaginei que
chegaria neste local antes do pôr-do-sol. Ledo engano. Sem imaginar, teria que
ficar neste trecho da prova sem lanterna.
A trilha do Bonete era muito técnica e não demorou muito para a luz do
sol me forçar a diminuir meu ritmo. O grupo de ultramaratonistas encostou e
formamos um pelote com uns 5 corredores, sendo que apenas dois tinham
lanternas. Todos, alternadamente, tombavam. Exceto Rosália que, recuperada,
passou como um tufão. Todos nós na trilha já completamente escura. A
preocupação comum era o fato de que tínhamos poucas horas para vencer a trilha,
caso contrário seríamos cortados. Imperava a solidariedade de todos.
Três horas depois chegávamos ao posto de parada. Troquei de roupa,
conferi hidratação e alimentação. Eis que chega Ashbel. Fiquei feliz por vê-lo
ali. Ele estava muito bem. Estava me preparando para partir quando escuto
alguém gritar: “aaaaaasssssshhhhbel!”.
Não acreditei! Demorei a realizar que só podia ser o Filipe ali gritando.
Fui cumprimentá-lo. Ele me relatou que desceu muito bem a trilha acompanhado do
Bruno Reis (monstrinho que uma semana antes havia feito Volta À Ilha em dupla).
Partimos os quatro para mais quinze quilômetros até o próximo posto de parada
(60km). Bruno e Ashbel se lançaram mais a frente enquanto eu fazia uma rápida
troca de meias.
Minutos antes, havíamos perguntado para aqueles que estavam como seriam
os tais quinze quilômetros pela frente. Uma senhora respondeu: “Tranquilo!
Estradão de terra!”. Ahã. Deus tenha pena da alma daquela senhora...
A chuva fina que caía já havia deixado tudo muito pior do que poderíamos
imaginar. Não era mais uma corrida, mas uma expedição. Eu e Filipe alcançamos e
ultrapassamos Ashbel. Ele já demonstrava estar esgotado.
E todos sabem que se houver uma chance de piorar, piora mesmo! Desabou um
temporal. Subidas inacreditáveis, descidas terríveis. Momento de muito perigo
quando um trecho da trilha simplesmente desmonorou. Ao tentar passar,
escorreguei e fui parar 5 metros ladeira abaixo. Por muita sorte não me
machuquei.
Retomamos o que havia deixado de ser uma corrida. Estávamos esgotados.
Conforme o cronograma da organização teríamos que percorrer esses 15
quilômetros em 4 horas. Fácil, né? Rs. Da sua cadeira aí você não pode imaginar
o que é atravessar o que horas antes seria um simples córrego, mas que a chuva
pesada havia transformado numa perigosa corredeira para atravessar.
Por volta de meia-noite, guiados por nossa lanterna e por uma garra
inacreditável eu e Filipe alcançamos o posto dos 60Km. Nos perguntaram: vão
querer seguir? Filipe ponderou: “se a organização nos permitir, sim”. Mas, ali
percebemos algo estranho. Apesar de estar no tempo previsto pela organização
para seguirmos em frente, teríamos que percorrer os últimos 20 quilômetros em
apenas 1 hora (?).
Conversamos e decidimos terminar a prova. Não nos perguntem o por quê. Não
há uma explicação racional para essa decisão. O próximo trecho (Castelhanos)
não seria tão complicado. Partimos. Por nós passaram alguns carros da
organização. Nos ofereceram carona se quiséssemos desistir da prova. Filipe me
consultou. Limitei-me a voltar a andar em frente. Filipe estava muito bem, mas
agora era a minha vez de passar mal. O estômago estava revirado. A fraqueza se
aproximava. Apesar de não conseguirmos correr, andávamos sob um ritmo forte.
Após 10 quilômetros fomos avisados que éramos os últimos corredores na prova.
Quem havia ficado para trás já havia desistido ou tinha sido impedido de
continuar (Roger e Ashbel).
Uma moto da organização nos seguia. Faltavam uns 3 quilômetros quando
chegamos na cidade. O silêncio só era quebrado pelo barulho do nosso escudeiro.
Um carro particular se aproximou. Eram 3h45 da manhã. O cara abriu a janela e
nos gritou palavras de incentivo. Chegou a nos acompanhar no nosso trote a
7min/km. Eu, heim...
Cruzamos a rua principal. Passamos pela pequena ponte de madeira. 100
metros de areia. Dois staffs da organização sentados ali por perto. 4h da
manhã. O pórtico. No relógio, 82 quilômetros percorridos. Não foi só o
magnificio Iazaldir Feitosa quem venceu a prova. Eu e Filipe também vencemos.
Ah, e o limite? Eu ainda não sei. Quando eu descobrir eu prometo que
conto...
Fabrízio
Rubinstein – pai do Pedro – aluno da Walter Tuche Assessoria Esportiva.
Obs1: fontes não
oficiais nos relataram que apenas 20% dos atletas que largaram completaram a
prova.
Obs2: eu e
Filipe dedicamos essa prova ao querido amigo e Professor Walter Tuche.