terça-feira, 8 de novembro de 2011

HAUTE ROUTE, ENTREVISTA DO CK

1-) Por que você resolveu participar da Haute Route?

Eu e minha esposa recebemos simultaneamente um e-mail promovendo a corrida. Na hora eu fiquei muito entusiasmado com o tamanho do desafio. O lugar da corrida também foi um dos grandes atrativos. Eu já estive nos Alpes algumas vezes e adoro o lugar. Além disso, eu tinha participado no ano anterior de outra prova de ultramaratona com 5 estágios e gostei muito do formato.

2-) Como foi essa experiência?

Foi uma das experiências mais incríveis da minha vida. A prova foi duríssima e eu não tinha me preparado como deveria. As subidas eram intermináveis e as etapas eram longas. A cada dia o cansaço acumulado ia pesando, mas a vontade de terminar também ia crescendo. Foi um grande jogo mental e um desafio pessoal muito grande.

3-) Qual foi sua maior conquista nessa prova?

Para mim, o que mais me orgulho foi ter conseguido completar a prova tendo treinado pouco. Como só fiz a inscrição 2 meses antes da corrida eu tinha pouco tempo. Estava trabalhando muito naquele período e a confiança que ganhei com a outra corrida de ultramaratona me fez subestimar essa prova. Não fiz nem metade das minhas planilhas de treino. Desde o primeiro dia, a etapa era dura e já deu pra perceber que eu iria sofrer muito nos 7 dias. Chegar em Nice pedalando foi, com certeza, a maior vitória.

4-) Quais foram seus maiores desafios em cada uma das 7 etapas?

Na primeira etapa, Geneve a Megeve, começamos em um grande pelotão com velocidade controlada e já deu pra sentir que o nível era muito forte. O começo foi praticamente o único pedaço plano da corrida inteira. Quando entrei na primeira subida, os pelotões se desfizeram e vi o Col de la Colombiere. Esse foi o mais difícil do dia, 16 km, sendo que, o último km tinha mais de 10% de média de inclinação. No topo da subida seguinte, Col des Aravis, tivemos uma das vistas mais lindas da corrida; o Mont Blanc de frente, como se estivesse ao nosso alcance.

No segundo dia, estava muito impressionado com o nível de dificuldade do dia anterior, e sabia que só iria piorar. Primeiro, o Col de Saisies, o mais fácil do dia, forte no começo e mais leve no final. Depois, foi o Cormet de Roselend, com uma vista incrível, de uma represa azul no alto da montanha. Essa escalada era a mais dura do dia, mas a variação da paisagem ajudou. Subestimei a última subida, que não era um "Col", mas a estrada para Les Arcs, a cidade em que passamos a noite. A subida não tinha alívio e já estava pedalando há 6 horas, num calor de 38oC.

O terceiro era o dia mais duro; 4.300m de ascenção e quase 170km. Foi o pior de todos, longe. Acordamos muito cedo porque tinha um deslocamento com teleférico, o que tornou o dia ainda mais longo. O Col de la Madeleine com seus 30km foi a subida mais comprida que já fiz. Em seguida, encaramos uma dificuldade inesperada; um vento contra durante 20km em um "falso plano". Ainda tinha o Télégraphe e Galibier pela frente. O Galibier foi a escalada mais difícil de toda a corrida. O topo está a 2.650m de altitude e o ar não bastava. O cansaço era extremo e só consegui terminar esta etapa com a cabeça. Na chegada, a emoção foi incontrolável e a partir daí eu senti que iria conseguir terminar a corrida. Neste dia cheguei em Serre Chevalier quase às 18h, tendo pedalado um pouco menos de 11 horas.

A quarta etapa foi um time-trial morro acima. A subida do Granon tinha 11km, mas com 10% de inclinação o tempo todo. Subi sem forçar, para tentar recuperar um pouco dos outros dias. As pernas estavam duras e o pior do dia foi esperar lá em cima no frio todos os corredores chegarem para descermos juntos de novo até Serre Chevalier.

No quinto dia, a grande dificuldade era o Col D'Izoard, a 2350m acima do nível do mar. Mas, a escalada veio logo no começo da etapa. Talvez por isso, este tenha sido, na minha opinião, a etapa mais fácil, quero dizer, a "menos difícil"... De novo, quando a altitude passava de 2.000m, o ar rarefeito atrapalhava bastante a respiração. Em seguida, subimos o Col de Vars, que também era longo, mas tinha uns 2km planos no meio que fez a subida ficar mais agradável. Como sempre, vistas lindas das montanhas e no final, uma subidinha curta mas bem ruim até a estação de esqui de Pra Loup.

A sexta etapa foi uma só escalada, de quase 30km, que levava à estrada pavimentada mais alta da Europa, o Cime de la Bonette, com 2.860m. A maior dificuldade foi, com certeza, a altitude. Dava para perceber claramente a falta de ar e o vento gelado no topo também não ajudou. A descida era longa e cansativa, e ainda faltava uma última subidinha até a cidade de Auron, mas depois de contornar este desafio, a chegada estava muito perto e a confiança de terminar era muito maior.

Na sétima e última etapa, um único Col e uma enorme descida até Nice. O Col de Saint Martin foi tranquilo para mim, acho que estava eufórico por ter chegado tão longe. A descida era linda, ao lado de um rio e no meio de um cânion de pedra com túneis antigos. O final do trecho cronometrado foi depois de um pedaço plano longo, mas depois disso, como um requinte de crueldade, mais uma escalada pequena até Vence. Lá a organização reagrupou todos os corredores e descemos em comboio até Nice, onde as ruas estavam fechadas pro Haute Route passar. Cruzamos a orla da cidade sendo saudados por todo mundo na rua, emocionante.

5-) Como você definiria essa competição? Quais são os principais diferencias desta prova?

A prova sem dúvida tem dois grandes diferenciais; a organização e a localização.

A segurança era incrível. Dezenas de motos e carros acompanhavam os corredores o tempo todo. Quando passavam por mim, perguntavam se estava tudo bem e o que eu estava precisando. No topo das subidas, ficava um caminhão com todo o tipo de reposição; água, isotônico, refrigerantes, frutas, gels e biscoitos. O trânsito era desviado e as cidades praticamente paravam para a corrida passar. Centenas de voluntários ajudavam a sinalizar o caminho e a apoiar os corredores. A equipe de mecânica tinha uma oficina móvel em uma van, além de carros e motos de apoio com rodas e até bicicletas extra para quem tivesse problemas mecânicos. A logística funcionava perfeitamente. Ao final do dia, uma vila era montada na chegada e nossas malas estavam nos esperando no hotel.

O outro ponto forte foi a escolha do caminho. As subidas tinham vistas inacreditáveis. Pareciam cenários. Vimos todo o tipo de paisagem; lagos, montanhas com neve, montanhas de pedra, florestas e até o mar no último dia.

Eu acredito que seja a prova mais bonita e bem organizada que há no mundo. O número limitado de competidores também ajuda muito a tornar a experiência muito segura, mas não é para qualquer um. Tem que treinar muito e se dedicar. A cabeça tem que estar focada, porque muitas vezes a dor física e o cansaço se traduzem em uma vontade quase irresistível de desistir no meio de uma etapa.

6-) Como foi a preparação para a prova? Treinos, dieta...?

Eu soube da competição com 2 meses de antecedência, o que é pouco tempo para treinar para uma corrida deste nível de dificuldade. Até ouvi do meu treinador, Walter Tuche, que eu estava louco em me inscrever com minha mulher nesta prova com tão pouca preparação. Mas, ele comprou a ideia e me acompanhou de perto. Elaborou uma planilha de treino muito específica e que exigia muito tempo durante a semana. Eu estava em um momento de trabalho que não permitia toda essa flexibilidade e acabei pagando por isso durante a corrida. Treinava no mínimo 5 vezes por semana, mas não conseguia mais do que 7 horas de treino durante a semana. Nos fins-de-semana fazia treinos mais longos, acumulando umas 8 a 10 horas. Eu estava muito acima do peso ideal e também não deu tempo de emagrecer. Fui a um nutricionista que me deu umas dicas e linhas gerais para perder peso sem comprometer o treinamento, mas não foi suficiente. Fiz a corrida com sobrepeso, o que atrapalhou muito nas subidas. De qualquer forma, fiz o que consegui fazer e não me arrependo de nada, afinal, agora posso dizer que sou finisher da corrida mais dura do mundo de ciclismo de estrada amador.

4 comentários:

Miguel Lasalvia disse...

CK´s vocês são uma inspiração...
IM é cosquinha perto do que conquistaram.
Parabéns sempre...

nei esteves disse...

Cláudio, impressionante e emocianante o relato, sem dúvida uma aventura e vitória incrível. Muito legal. Parabéns!!!!

ck disse...

muito obrigado

Anônimo disse...

Parabéns por ter completado a prova.
Seu relato foi muito importante para mim pois já tinha conhecimento da prova e devo me inscrever para 2012. Qual a relação que vc usou? Pedevela tradicional ou compact?
Abraço,
Emerson