Caros alunos,
Estava hoje (ontem) a tarde na loja e como de praxe encontrei um antigo amigo. Esse cara começou a fazer triathlon no inicio da década de 80 e foi de suma importância para a divulgação, entendimento, crescimento do triathlon no Brasil.
Alem de excelente atleta é um amigo de ótimo caráter que nos, aqui da barra, invariavelmente cruzamos na ciclovia.
Foi Presidente e criador da FTERJ, organizador de provas e um entusiasta para este esporte. Pasmem vocês, em 1987 num circuito C&A de triathlon no posto 6 em Copacabana com 600 atletas (isso mesmo), tínhamos ate helicópteros da policia civil “cobrindo “ a prova
Ao conversarmos sobre o Iron, ele se prontificou a enviar um texto, muito bem escrito e que nos da uma profunda realidade da prova. Para os marinheiros de primeira viagem como para os “veteranos” no serve como um inspiração
Obrigado Marco Ripper por partilhar sua emoção conosco e contamos com voce na nossa torcida.
Aproveitem!!!
Walter Tuche
"O SER DE FERRO"
"Nove de Outubro de 1982, seis e pouco da tarde. Já quase trinta e seis quilômetros de corrida… até ali atrás eu tinha consciência do que vinha se passando. Dessa vez era, meu décimo segundo dia no Havaí. Diferente das outras tantas vezes, eu quase não tinha tempo de pegar onda ou visitar os amigos na ilha. Dessa vez, eu tinha levado para lá, pro outro lado do mundo, uma ideia muito mais louca do que um “drop” numa onda gigantesca de Waimeia ou a esperança perigosa de um tubo perfeito em Pipeline.
O Havaii, agora, podia ser qualquer outro lugar do planeta. Não precisava ter ondas, nem montanhas, nem turistas…
Até uns dois ou três quilometros atrás, eu ainda tinha consciência das coisas. Vinha me lembrando do meu treinamento de mais de um ano, da minha dedicação sacerdócio à preparação, à alimentação e até à teoria desses eventos malucos que tantos e há tanto tempo me atraiam…
Até uns dois ou três quilômetros, meu metabolismo era o de um homem normal, muito cansado. Mas ali, naquele preciso momento, eu não era mais um homem normal. Minhas reservas de proteínas, carbo- hidratos, glicogênios e tudo o mais que nos faz continuar a viver, já estavam, ou deveriam estar, plenamente esgotadas. Minha visão da estrada à frente era turva e amarelada, como uma foto envelhecida e desfocada. Não ouvia sons, não destinguia os olhos das pessoas que se alinhavam de ambos os lados da rua. Não sentia meus pés tocando o asfalto, nem o vento que devia estar batendo em meu rosto, nem o desconforto do suor, nem o cansado, nem dor, nem emoção. Era como se eu não existisse mais, da maneira que eu sempre estivera acostumado.
Até alguns minutos atrás, eu me preocupava com o quanto faltava para o final do Campeonato Mundial de Triatlon para o qual eu tinha tão exaustivamente me preparado. Agora, nada mais me preocupava. Agora, me dava a impressão que se não colocassem uma parede lá na chegada eu ia continuar correndo eternamente.
De repente, a linha de chegada. Gradativamente, sons, cores, sensações, tudo começou a acontecer outra vez. Aplausos, flashes, abraços, elogios, calor humano, emoção. Volta à terra. Pés no chão de novo.
O inexplicável é que não senti, como de se esperar, a vitória sobre as outras pessoas(fui o primeiro estrangeiro a terminar a prova). Minha alegria realmente se baseava no terminar a corrida. Meu desafio não tinha sido proferido contra ninguém, mas contra mim mesmo.
Naquele momento exato em que as forças materiais abandonam um atleta, quando no auge de uma competição, se alcança aquele estágio em que, clinicamente, é impossível a continuação do esforço físico, a gente descobre que existe mesmo algo bem mais importante do que vencer.
Há quase seis anos, venho repetindo esses momentos mágicos de competir. Tenho tido meus esforços premiados várias vezes, colecionando troféus, heranças carinhosas de meus filhos. Mas não me lembro quantos de primeiros segundo e terceiro lugar. Procuro ver cada taça, cada medalha, cada diploma, como um lembrete daquele dia especial em que “me venci”, em que fui mais longe do que se esperava possível.
Sei lá, mas acho que isso deve acontecer com todo mundo que ama a competição atlética, com todo aquele que se empenha a fundo, em treinamentos super disciplinados se abstendo de tanta coisa boa, buscando a forma propícia à prova.
Acho que isso, mais que minhas taças, é o que pretendo passar para meus filhos: o desafio melhor de vencer a si mesmo antes da vaidade, do orgulho vazio de vencer os outros.
Daqui para frente vou começar a conversar com essa gente especial que procura incansavelmente o porque de “ser de ferro”. Pode ser que isso ajude aos outros que vem por ai, nos passos, saindo para treinar em manhãs frias, trocando bailes aconchegantes por tabelas de descanso, refeições apetitosas por dietas balanceadas, economizando em tudo pela aquisição de melhor equipamento, etc…
Também pode ser que não ajude em nada. Se bem me lembro, foi só mesmo ali, aos trinta e poucos quilômetros da corrida em Kona, 1982, que eu tive um vislumbre do que isso tudo representa. Quem sabe, cada um de nós tem mesmo que ver pelo seu próprio prisma, a sua relação a “ser de ferro”. De qualquer maneira, espero que todos possam, ou já tenham experimentado esses inesquecíveis momentos de vitória “do espírito sobre a matéria, da vontade sobre a inércia e da fé sobre o impossível”
Marco Ripper