quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O teste da bicicleta mostra o que importa no trabalho


 
Por Lucy Kellaway
 
Estava andando de bicicleta pela City de Londres em uma manhã nublada da semana passada, rumo ao trabalho, quando fui fechada por um homem de casaco preto, sem capacete, luzes de segurança e que estava ouvindo música com fones de ouvido.
Idiota, pensei. Enquanto ele desaparecia na garagem subterrânea de um grande banco, fiquei imaginando que tipo de banqueiro um homem como esse deve ser. Ou é um idiota ao avaliar riscos, ou tem vontade de morrer. As duas possibilidades representam traços infelizes de alguém que cuida do dinheiro dos outros.
Ele me levou a pensar a respeito das coisas que revelamos sobre nós mesmos quando estamos sobre duas rodas, e a utilidade que essas informações poderiam ter para nossos chefes. Sempre imaginei que, enquanto grupo, os ciclistas formavam um time relativamente bom de empregados.
Todos nós nos encaixamos vagamente nisso. Temos os meios para sermos confiáveis e pontuais. Quando os trens param de circular por causa de condições climáticas severas - como aconteceu recentemente em Londres -, precisamos chegar na hora no trabalho mesmo assim. Assumimos riscos e, por isso, somos um pouco rebeldes, o que funciona muito bem, especialmente em uma profissão como o jornalismo.
Mas apenas dez minutos nas ruas de Londres são suficientes para mostrar que não somos um grupo unido. Alguns de nós são rápidos e outros lentos. Alguns usam capacete, outros não. Alguns quebram todas as regras, outros as seguem. Se os patrões realmente quiserem conhecer seus potenciais funcionários, eles deveriam esquecer os testes psicotécnicos e observá-los andar de bicicleta.
Alguns ciclistas podem afirmar que são agressivos no selim, mas uns "doces" em suas mesas, mas eu não concordo com isso. Em uma bicicleta você flerta com a morte e, assim, se transforma em uma versão mais intensa do seu verdadeiro "eu".
Depois que deixei para trás o banqueiro que não liga para o perigo e prossegui para o trabalho, vi outros três ciclistas demonstrando características que deveriam interessar aos departamentos de recursos humanos das empresas em que eles trabalham.
O primeiro tinha a barra da calça de sua perna direita enrolada, revelando uma panturrilha musculosa. Tal criatividade na ausência de um grampo para prender a barra da calça me impressionou: eu o contrataria pararesolver problemas. O seguinte estava se equilibrando sobre a bicicleta diante de um semáforo: ninguém gosta de trabalhar com pessoas exibidas. Por último, me deparei com uma mulher em uma bicicleta Brompton cor-de-rosa, que furou um sinal vermelho ao lado da catedral de St. Paul, forçando os pedestres a sair de sua frente para não serem atropelados. Um deles lançou um xingamento, que ela ignorou.
Os semáforos certamente são os melhores pontos para se reunir informações. Essa mulher obviamente foi reprovada no teste de emprego, enquanto outros violadores do sinal vermelho - que fazem isso sem incomodar ninguém - possivelmente seriam aprovados. Os sinais vermelhos também diferenciam os líderes dos seguidores. Quando há um grande grupo de bicicletas paradas em um semáforo, é preciso um tipo especial de ciclista para romper o consenso e começar a pedalar, mas, uma vez que ele fez isso, os demais o seguirão, deixando apenas um ou dois para trás. Eu contrataria imediatamente esses dissidentes do farol vermelho, mas apenas para cargos de auditoria ou 'compliance'.
O teste das duas rodas também elimina aqueles que não trabalham em equipe. Todos os ciclistas veem os automóveis, caminhões e ônibus como inimigos naturais, mas o ciclista que é hostil com aqueles de sua espécie serve apenas para o trabalho solitário.
Andar de bicicleta não só mostra o quanto as pessoas são competitivas como também mostra como os homens se sentem em relação às mulheres, sendo mais rápidos que elas. Nas ocasiões (cada vez mais raras) em que ultrapasso um homem de bicicleta, ele quase sempre me ultrapassa em seguida, apenas para "me colocar no meu lugar".
Mas o problema não é só o comportamento na bicicleta, mas também a bicicleta em si. A pessoa com uma "bike" de fibra de carbono quer impressionar os outros. A pessoa que usa um modelo híbrido quer apenas chegar a algum lugar. A pessoa que não usa capacete ou refletores é louca, assim como aquela que usa tantas luzes que mal sobra espaço para ela na bicicleta.
Para auferir minha tese sobre a ligação entre a personalidade e o estilo de dirigir bicicleta, realizei um pequeno teste de controle. Um leitor vinha se oferecendo para me levar em uma volta na garupa de sua bicicleta e, na semana passada, aceitei o convite. Ele acabou se mostrando um ciclista responsável, educado e confiante. Definitivamente, eu o contrataria.
Mesmo assim, algo me deixou aterrorizada: estar em uma bicicleta sem estar na direção. O que isso me mostrou? Que eu gosto de estar no controle, que sou indiferente a certas regras e que sou egoísta, mas tento não ser flagrantemente agressiva. Uso capacete, um capote fluorescente horrível e saltos altos - mas, para impedir que eles sejam destruídos pelos pedais, inventei uma proteção feita de câmara-de-ar. O que mostra que posso ser criativa, mas somente quando fico desesperada.
Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira

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