fonte:
http://www.gease.pro.br/principal.php
autor Bruno Fischer
Introdução
Segundo estatísticas, anualmente, 3,1% de todos os adultos ou 5,6% daqueles
engajados em algum tipo de atividade física recreativa recebem tratamento
médico para lesões decorrentes da prática esportiva(1) . As lesões esportivas
são consideradas a segunda maior causa de lesões, ficando atrás apenas dos
acidentes domésticos, que acometem 3,7% dos indivíduos(2). As lesões mais
comuns, cerca de 60%, são os estiramentos, luxações e roturas ligamentares que
ocorrem em tornozelos, joelhos, ombros, cotovelos e mãos(3). Lesões e dores na
coluna também são muito comuns durante a prática esportiva. As lesões são o
principal fator de afastamento de atletas em treinos e competições, causando
queda no desempenho físico, técnico e psicológico, e podem levar ao abandono
precoce da carreira. Sendo assim, é de suma importância a utilização de
estratégias que visem prevenir lesões esportivas, ou acelerar a recuperação das
mesmas. Estudos tem apontado o treinamento proprioceptivo como uma ferramenta
importante na reabilitação de lesões ortopédicas, e possivelmente na prevenção
(4,5)
Propriocepção é o termo utilizado para descrever a percepção do próprio corpo e
inclui a consciência da postura, sensação do movimento e posicionamento
articular(6). Essa percepção nos permite manter o equilíbrio postural. As
articulações necessitam de informações precisas e rápidas sobre o correto
posicionamento articular, o grau de amplitude e alinhamento corporal. Os
movimentos ou mudanças na posição de uma articulação estimulam uma variedade de
receptores que permitem a apreciação consciente da posição dos membros no
espaço. O objetivo dessa complexa rede de informações é manter a estabilidade
articular, determinando forças e grupos musculares específicos para prover a
atuação dos indivíduos nas atividades diárias e esportivas (7).
Fisiologia da propriocepção
A informação proprioceptiva se origina de alguns órgãos terminais sensoriais
(denominados proprioceptores) localizados dentro dos músculos, tendões e
complexos articulares, incluindo ligamentos, fáscias e a pele(8). O termo
somatosensorial é o que melhor descreve a combinação de estímulos provenientes
do próprio corpo (musculotendíneos, articulares e cutâneos) e da sua resposta
ao ambiente. Os estímulos somatosensoriais são combinados com informações
visuais e vestibulares para manter o equilíbrio, representando 70% do controle
postural na posição em pé(9). Os receptores sensoriais localizados nos
músculos, tendões e articulações são denominados de mecanoreceptores e são
acionados em resposta aos estímulos mecânicos oriundos da posição estática
(orientação corporal) ou do movimento (força, velocidade, amplitude e direção).
Uma das principais funções dos mecanoreceptores é transmitir a deformação
mecânica por meio de sinais elétricos que acionam o potencial de um nervo. Os
mecanoreceptores que atuam no controle proprioceptivo do movimento são: órgãos
tendinosos de Golgi, fusos musculares, fibras intrafusais, corpúsculos de
Ruffini, corpúsculos de Pacini e as terminações nervosas livres.
Os impulsos nervosos originados nesses receptores podem ser conscientes ou
inconscientes. Os inconscientes não despertam sensação, sendo utilizados pelo
Sistema Nervoso Central (SNC) para regular a atividade muscular através do
reflexo miotático ou dos vários centros envolvidos na atividade motora, em
especial o cerebelo. Os impulsos proprioceptivos conscientes atingem o córtex
cerebral e permitem a um indivíduo ter percepção corporal (noção espacial,
atividade muscular e movimento articular), sendo responsáveis pelo sentido de
posição e de cinestesia (10).
As articulações e músculos adjacentes têm uma inervação aferente direta, ou
seja, qualquer informação sobre um movimento das estruturas articulares é
sinalizada pelos receptores sensoriais (mecanoreceptores) e enviadas para o
sistema nervoso central. A informação aferente da articulação é a seguir
projetada para os centros de processamentos centrais no cérebro, por reflexos
não perceptíveis, e após serem processadas, essas informações retornam para
regular o posicionamento articular, o grau de amplitude e alinhamento corporal,
bem como a atividade muscular (através do reflexo miotático).
Em resumo os receptores sensoriais, ou mais especificamente os proprioceptores,
são essenciais para informar ao nosso cérebro a noção de posição dos membros, e
por sua vez, esta informação de posicionamento corporal é essencial para o
controle adequado do movimento. A capacidade e velocidade em que podemos
executar correções nos padrões de movimentos são treináveis, e os exercícios
proprioceptivos parecem contribuir significativamente para atingir a excelência
no controle neuromotor. Teoricamente, estimular os mecanoreceptores articulares
aumenta a atividade motora gama, o que resulta em um aumento da sensibilidade
dos fusos musculares nas adjacências das articulações, e que por fim levam a um
maior estado de “alerta” dos músculos para responder a perturbações nos
movimentos (11). Nesse sentido, os mecanoreceptores agem como gatilho de
alerta, emitindo impulsos para o sistema nevoso central, que aciona mecanismos
reflexos que, por sua vez, protegem a articulação, previnem os movimentos
inadequados, sensibilizam a orientação espacial do indivíduo e ativam os
estabilizadores dinâmicos musculares.
Exercícios proprioceptivos
Usualmente os exercícios proprioceptivos são executados com a finalidade de
causar propositalmente desequilíbrio e instabilidade durante a execução de
determinados exercícios, ativando ao máximo os órgãos terminais sensoriais e
também fibras musculares, de uma maneira que não poderiam ser estimulados com a
estabilidade proporcionada por máquinas ou piso com superfície rígida e
regular. Os treinos proprioceptivos devem ser compostos por exercícios
dinâmicos, multidirecionais e com instabilidade. Dessa forma, saltos, corridas,
mudanças abruptas de direção e exercícios resistidos realizados em superfícies
instáveis fazem parte de um programa proprioceptivo. Diversos equipamentos
podem ser utilizados, tais como: bolas suíças, giro-plano, bosú, cama elástica,
balancinho, e pisos irregulares (areia, gramado, terrenos acidentados), etc.
Propriocepção e lesões de Joelho
Os membros inferiores são o maior sítio de lesões no esporte, perfazendo cerca
de 84,5% do total, e em segundo lugar aparecem as lesões em coluna com 7,4%. Em
membros inferiores o joelho é a articulação mais acometida com 35,4% de todas
as lesões (12). Um recente estudo estadunidense(13) avaliou mais de 6,6 milhões
de lesões nos joelhos entre os anos de 1999 a 2008, e relatou uma incidência de
2,29 lesões de joelhos para cada 1000 habitantes, sendo que indivíduos entre 15
e 24 anos são os mais acometidos. Os principais tipos de lesões foram as
luxações e entorses (42,1%), contusões e desgastes (27,1%), e lacerações e
perfurações (10,5%). Esportes e atividades recreativas são as maiores causas de
lesões nos joelhos, totalizando 42,1% de todas lesões. Lesões ligamentares são
as mais comuns no joelho (40%), seguido por lesões patelares (24%) e lesões dos
meniscos (11%)(14).
Roberts et al(15) analisaram a propriocepção da articulação do joelho e sua
relação com o nível de atividade física, frouxidão ligamentar, lesões
(meniscos, ligamentos colaterais e cartilagem), idade e funcionalidade
subjetiva em indivíduos com instabilidade no ligamento cruzado anterior (LCA).
Os autores concluíram que lesões cartilaginosas, frouxidão ligamentar e idade
avançada são fatores associados com pior propriocepção. Por outro lado, um
maior nível de atividade física antes da lesão foi correlacionado com maior propriocepção
após a lesão de LCA. Os autores ainda concluíram que a funcionalidade subjetiva
do joelho está diretamente relacionada com os níveis de propriocepção.
Uma recente meta-análise conduzida por Smith, King & Hing (16) concluiu que
programas compostos por exercícios proprioceptivos foram capazes de promover
melhoras funcionais em indivíduos com osteoartrose de joelhos. Entretanto,
esses benefícios foram similares aos encontrados com outras modalidades de
exercícios (treino resistido, atividades aquáticas, etc.). Quando comparado com
outras formas de exercício, o treino proprioceptivo se mostrou superior apenas
na melhora do senso de posicionamento articular.
Gstoettner et al(17) conduziram um estudo com objetivo de avaliar se o treino
proprioceptivo prévio a uma artroplastia total de joelho influenciaria a
recuperação no período pós cirúrgico, em parâmetros da estabilidade postural e
funcionalidade nas atividades de vida diária. Trinta e oito indivíduos com
artrose grave no joelho, e que seriam submetidos a artroplastia total, foram
aleatoriamente divididos em grupo treinamento (n=18) e grupo controle (n=20).
Todos os pacientes foram examinados 6 semanas antes da cirurgia e 6 semanas
após o procedimento cirúrgico, sendo que o grupo treinamento também foi
avaliado no dia anterior ao procedimento. Os testes incluíam medidas de
equilíbrio postural, velocidade de marcha e avaliação da funcionalidade nas
atividades de vida diária. 6 meses após o procedimento cirúrgico, ambos os
grupos obtiveram resultados similares na velocidade de marcha e no desempenho
funcional, mas apenas o grupo submetido ao treino proprioceptivo apresentou
melhora na estabilidade postural.
Mandelbaum et al(18) avaliaram, nos anos de 2000 e 2001, um total de 5703
jogadoras de futebol com idades entre 14 e 18 anos. As atletas foram dividas em
dois grupos; o grupo intervenção realizou um programa de treinamento
neuromuscular e proprioceptivo com o intuito de reduzir o índice de lesões do
LCA, enquanto o grupo controle continuou sua rotina normal de treinamentos.
Durante as temporadas de 2000 e 2001, o grupo que realizou o treino
proprioceptivo apresentou respectivamente 88% e 74% de redução na incidência de
lesão do LCA quando comparado com o grupo controle. Os autores do estudo concluíram
que o treino neuromuscular e proprioceptivo pode gerar benefícios diretos na
redução da incidência de lesões ligamentares (em especial do LCA) em jogadoras
de futebol do sexo feminino.
Van Beijsterveldt et al(19) investigaram os efeitos de um programa preventivo
na incidência e severidade de lesões em jogadores de futebol na categoria
amador. Um total de 456 atletas foram aleatoriamente divididos em dois grupos;
intervenção (n=223) e controle (n=233). O grupo intervenção realizou um
programa constituído de exercícios de estabilidade do core, treino excêntrico
de membros inferiores, exercícios proprioceptivos, pliométricos e de
estabilização dinâmica, enquanto os atletas do grupo controle mantiveram suas
atividades desportivas rotineiras. No total foram reportadas 427 lesões na
temporada, sendo que incidência de lesões foi igual nos dois grupos (9.6 por
1000 horas de atividade no grupo intervenção e 9.7 por 1000 horas de atividade
no grupo controle). Não houve diferença na severidade das lesões entre os dois
grupos, no entanto, foi observado uma diferença significativa no local das
lesões. O grupo intervenção apresentou uma menor incidência de lesões nos
joelhos. A partir dos resultados, os autores concluíram que um programa de
exercícios preventivos não promoveu redução na incidência e severidade das
lesões em atletas de futebol amador
Os resultados de uma revisão sistemática realizada em 2005 (20) demonstraram
que exercícios proprioceptivos são eficientes na reabilitação de indivíduos com
deficiência ou que foram submetidos a reconstrução do LCA. Os autores desse
estudo concluíram que exercícios proprioceptivos e de equilíbrio parecem ser
uma forma segura de reabilitação, visto que nenhum estudo utilizando esse
método relatou diminuição da força ou aumento na frouxidão ligamentar, quando
comparado com programas de reabilitação padrão.
Hewett, Ford e Myer(21) em uma meta-análise realizada em 2006, relataram que
treinos de equilíbrio e proprioceptivos auxiliam no aumento da força de membros
inferiores, reduzindo o déficit de força e desequilíbrio bilateral, que é um
fator de risco para lesões de LCA. Sendo assim, o resultado desses estudos
apoiam a inclusão de exercícios proprioceptivos nas intervenções de tratamento
e prevenção de lesões do LCA. No entanto, parece que exercícios de equilíbrio
realizados em superfícies instáveis por si só, podem não ser suficientes para
reduzir o risco de lesão do LCA. Se faz necessário também a inclusão de
exercícios resistidos, pliométricos e de flexibilidade.
Uma das
lesões mais comuns no meio esportivo é o entorse de tornozelo em inversão (ou
lateral), e estima-se que entre 70-80% dos atletas acometidos por essa lesão
sofrerão um entorse recorrente. Sinais de instabilidade residual ocorrem em
20-40% dos indivíduos após terem sofrido esse tipo de entorse, e essa
instabilidade a longo prazo pode predispor ao surgimento de artrose na
articulação do tornozelo(1). A instabilidade residual parece ser a principal
causa da recorrência do entorse em inversão, sendo que essa instabilidade pode
ser de origem mecânica ou funcional(2). A instabilidade mecânica ocorre quando
existe uma anormalidade anatômica da articulação do tornozelo, como por exemplo
uma frouxidão ou movimentação excessiva da articulação subtalar, talocrural ou
tibiofibular, resultante de danos ligamentares da articulação(2). Já a
instabilidade funcional é descrita como uma sensação de “falseios” ou
instabilidade do tornozelo(3) que ocorre sem necessariamente uma lesão
ligamentar, mas que pode estar relacionada com danos nos mecanoreceptores dos
ligamentos laterais ou tendões de músculos adjacentes ao tornozelo, o que acaba
interferindo negativamente no reflexo proprioceptivo. Mais da metade dos
pacientes com instabilidade crônica do tornozelo não tem evidência clínica ou
radiológica de instabilidade mecânica.
Hupperets et al(4) conduziram um estudo com 522 atletas que sofreram entorse do
tornozelo (256 no grupo intervenção e 266 no controle) e verificaram que um
programa de exercícios proprioceptivos realizados em casa por 8 semanas reduziu
em 35% o risco de recorrência do entorse.
Verhagen e colaboradores(5) acompanharam 116 equipes de voleibol durante a
temporada de 2001-2002, sendo que do total 66 equipes fizeram parte do grupo
intervenção e outras 50 foram do grupo controle. As equipes do grupo
intervenção, além da rotina normal de treinamento, realizaram exercícios de
equilíbrio no giro-plano (tábua de propriocepção). Ao final da temporada,
quando comparado com o grupo controle, notou-se uma menor taxa de entorses de
tornozelo no grupo que realizou treino proprioceptivo, entretanto essa redução
no risco de entorse só foi significativa nos indivíduos com histórico prévio de
entorses. Os resultados deste estudo levaram os autores a concluir que
exercícios proprioceptivos no giro-plano apenas são eficazes para reduzir o
risco de entorses recorrentes, mas não o primeiro entorse. Uma possível
explicação para esse fato é que os exercícios de equilíbrio (propriocepção)
apenas beneficiaram os jogadores com alterações nos mecanismos proprioceptivos.
McGuine e Keene(6) realizaram um estudo com objetivo de verificar a incidência
de lesões no tornozelo de atletas escolares nas modalidades futebol e
basquetebol quando submetidos a treino proprioceptivo. No total 765 atletas
foram aleatoriamente direcionados para um dos dois grupos: o grupo intervenção
(373 atletas) participou de um programa de treinamento de equilíbrio enquanto o
grupo controle (392 atletas) manteve suas atividades desportivas rotineiras. Os
resultados desse estudo demonstraram que a taxa de entorse de tornozelo foi
significativamente menor nos indivíduos do grupo intervenção. Ao comparar
indivíduos com história prévia de entorse de tornozelo, se percebeu que esses
indivíduos tinham duas vezes mais chance de sofrer novo entorse, e quando eram
submetidos ao treinamento proprioceptivo esse risco caia pela metade. A taxa de
entorse de tornozelo em atletas sem história prévia de lesão foi menor após o
treino proprioceptivo, entretanto não foram encontradas diferenças estatísticas
entre os grupos controle e intervenção.
Uma meta-análise conduzida por Postle e colaboradores(7) concluiu que a adição
de exercícios proprioceptivos durante um programa de reabilitação não foi capaz
de prevenir lesões recorrentes em indivíduos com lesões ligamentares em
tornozelo. Entretanto a inclusão de treinamento proprioceptivo reduziu de forma
significativa a percepção de instabilidade no tornozelo e promoveu melhoras
funcionais. Os autores desse estudo concluíram que ainda não existe um consenso
na literatura acerca das vantagens em se incluir treino proprioceptivo na
reabilitação do tornozelo.
Propriocepção e fortalecimento do CORE
O termo core tem sido utilizado para se referir aos músculos e outros tecidos
da região do tronco, mais especificamente da região lombo-pélvica. A
estabilidade da região lombo-pélvica é crucial para permitir uma movimentação
harmoniosa de membros inferiores e superiores, para suportar carga, e
principalmente proteger a coluna vertebral de danos que possam comprometer a
integridade da medula espinhal e raízes nervosas (8). A estabilidade do core
pode ser definida como a capacidade que os músculos, ligamentos e órgãos
proprioceptores tem em manter a zona intervertebral neutra dentro de limites
fisiológicos (9). A perda do controle da zona neutra pode causar lesões,
discopatias degenerativas e fraqueza muscular. Um déficit no controle
neuromuscular da região core também pode comprometer a estabilidade dinâmica de
membros inferiores, resultando em maior torque do joelho em abdução, causando
maior tensão ligamentar e aumentando de maneira significativa o risco de lesões
nos joelhos.
A estabilidade dinâmica do joelho de um atleta depende da habilidade da
articulação em manter a trajetória programada após perturbações internas e
externas, sendo para isso necessário respostas sensoriais e motoras apropriadas
do tronco para interagir com as rápidas mudanças na posição corporal que
ocorrem em diversas manobras esportivas, tais como arrancadas, freadas bruscas,
aterrisagens, etc(10).
Diversos estudos tem demonstrado que exercícios direcionados para aumentar a
estabilidade do core podem reduzir a propensão de lesões de membros inferiores
e dores em coluna lombar (8,11-17). Exercícios proprioceptivos, ou seja,
realizados em superfícies instáveis e/ou com perturbações parecem ativar com
maior intensidade a região do core(8), fortalecendo e dando resistência aos
músculos, bem como aprimorando as respostas proprioceptivas dessa região.
Behm e colaboradores demonstraram que exercícios direcionados ao tronco
realizados na bola suíça resultaram em uma maior ativação dos músculos abdominais
inferiores quando comparados com os mesmos exercícios realizados em superfície
rígida(18). Da mesma forma Vera-Garcia e colaboradores compararam a execução de
exercícios em superfícies rígidas com superfícies instáveis, e concluíram que
exercícios realizados em superfícies instáveis promoveram uma maior ativação
dos músculos abdominais e do oblíquo externo, levando a um maior estímulo para
desenvolver força e estabilização da coluna (19).
Marshall e Murphy encontraram um aumento significativo na atividade
eletromiográfica do reto abdominal, transverso abdominal e oblíquos internos
durante a execução de exercícios para estabilidade do core realizados na bola
suíça, valores superiores aos encontrados nos mesmos exercícios realizados em
superfície estável(20). Vale ressaltar que o aumento na atividade
eletromiográfica encontrada nesses estudos sempre comparou esses exercícios
sendo realizados apenas com o peso corporal, ou com a mesma carga absoluta.
Behm e colaboradores também avaliaram a capacidade de produção de força e
ativação muscular de exercícios realizados em superfície rígida e em superfície
instável (bola suíça) e puderam observar que ao realizar os exercícios na bola
suíça a força produzida na extensão de joelhos e flexão plantar era 70,5 e
20,2% menor do que em superfície rígida, respectivamente. A ativação
eletromiográfica também foi 44,3% (quadríceps) e 2,9% (flexores plantares)
menor nos exercícios realizados em superfície instável. Os autores do estudo
concluíram que quando a superfície é muito instável a produção de força
periférica (ex. membros inferiores) é reduzida enquanto a força na região core
é aumentada, dessa forma esse tipo de exercício é insuficiente para ganhos de
força nos membros, mas parece aprimorar o equilíbrio, estabilidade e capacidade
proprioceptiva (21).
Uma revisão publicada em 2010 avaliou diversos estudos que incluíam exercícios
realizados em superfícies instáveis e em superfícies rígidas, tendo como o foco
a ativação do core. Os autores concluíram que apesar de exercícios realizados
em superfícies instáveis se mostrarem eficientes para reduzir a incidência de
dor lombar e aumentar a eficiência sensorial de tecidos moles, eles não são
recomendados como exercícios primários para hipertrofia, força absoluta ou potência,
especialmente em atletas. Para praticantes avançados ou atletas, exercícios com
peso livre realizados em superfícies rígidas com nível moderado de
instabilidade (ex. agachamento livre executado com barra ao invés de executado
no Smith ou hack) devem formar a base de exercícios para treinar a musculatura
do core. Exercícios em superfícies instáveis podem ter uma importante função
para indivíduos iniciantes ou em reabilitação, ou como alternativa de
exercícios para indivíduos com pouco interesse em se exercitar com pesos livres
(22).
Os exercícios de musculação tradicionais podem ser considerados funcionais e
com grande capacidade de desenvolver a estabilização do core. Para isto basta
realizar algumas alterações na forma de executá-los, tais como: preferir peso
livre ao invés de máquinas, realizar os exercícios em pé ao invés de sentado,
exercícios unilaterais ao invés de bilaterais, e por fim, escolher exercícios
básicos como agachamento, levantamento terra, stiff, desenvolvimento com
halteres, etc.
Atletas e indivíduos saudáveis que realizam os exercícios básicos já recebem
estímulo suficiente para o fortalecimento do core, não necessitando de
exercícios em superfícies instáveis ou com perturbação externa.
Considerações finais
A partir do exposto no presente artigo pode-se concluir que os proprioceptores
tem um papel fundamental no controle neuromotor, permitindo uma adequada
manutenção da estabilidade articular e proporcionando proteção contra lesões. O
treino proprioceptivo parece ter um papel importante na reabilitação de lesões
no esporte, visto que os órgãos proprioceptores são danificados nos processos
lesivos e precisam ser novamente treinados durante o processo de reabilitação.
No entanto, o papel do treino proprioceptivo na prevenção de lesões ainda é
controverso, visto que a maioria dos estudos não demonstrou efeitos
significativos na redução da incidência de lesões em atletas sem histórico de
lesão prévia. Além disso, a maioria dos estudos não isola o treino
proprioceptivo de suas intervenções, e sim, o utiliza em conjunto com treinos
neuromusculares, que são compostos na maioria das vezes por exercícios
resistidos, pliométricos, treinos de flexibilidade e outros.
Será que apenas os exercícios proprioceptivos isolados, ou melhor, exercícios
com perturbações externas e/ou em superfícies instáveis, tem um papel
importante para a prevenção de lesões no esporte? Os treinos esportivos
tradicionais já não apresentam componentes suficientes para treinar os
proprioceptores? Quando observamos um treino ou jogo de futebol notamos uma
gama de movimentos capazes de treinar os proprioceptores com maestria, uma vez
que essa modalidade é basicamente composta de arrancadas, mudanças bruscas de
direção, saltos, trombadas, terreno irregular, etc.
O que notamos hoje em dia é que muitos profissionais estão numa constante e
desenfreada busca por métodos ou treinos “diferentes” e muitas vezes tais
metodologias são infundadas ou mal aplicadas. As academias foram invadidas por
“treinos funcionais”, dessa forma não é incomum vermos jovens, que buscam
melhora da força e hipertrofia, trocando o agachamento com barra livre por um
agachamento sem peso realizado em cima do bosú. Os exercícios básicos já são
totalmente eficientes para promover melhoras funcionais na maioria das pessoas,
da mesma forma os gestos esportivos dos treinos convencionais parecem ser
suficientes para treinar os mecanismos proprioceptores. Certamente treinos em
superfícies instáveis tem a sua aplicabilidade, entretanto essa parece ser
restrita a reabilitação de lesões ou direcionada para indivíduos com
determinadas restrições.
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